A recuperação judicial pode ser resumida como uma medida extrema. Ou seja, é o recurso final que uma empresa lança mão para evitar a falência.
Com as dificuldades enfrentadas em função dos problemas na economia do Brasil, nos últimos anos, foi registrado um crescimento nos pedidos de recuperação.
É um reflexo inequívoco da prolongada recessão que, muito lentamente, vai sendo superada.
Em junho, segundo levantamento da Boa Vista houve aumento de 89,7% nas solicitações, em comparação com o mesmo período um ano antes.
Já no mês seguinte, de acordo com a Serasa Experian, o cenário se inverteu, com queda de 17,9% em relação a 2018.
De qualquer forma, ainda é expressiva a quantidade de empresas que pede recuperação na justiça.
Embora seja um remédio amargo, há de se convir que é melhor do que a extinção por completo de uma empresa, tecnicamente chamada de falência.
É disso que trata um pedido de recuperação judicial.
Portanto, ela tem como objetivo primário evitar a morte definitiva de uma organização. E um segundo objetivo que é de recuperar a empresa do ponto de vista econômico e financeiro para que a mesma volte a gerar valor para os seus acionistas.
Esse é um tema de grande interesse para quem trabalha no meio jurídico, empresarial e para estudantes.
Continue por aqui para saber em detalhes tudo sobre recuperação judicial.
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Boa leitura.
A recuperação judicial é um instrumento jurídico que prevê o acordo com credores para o pagamento de dívidas e, como o nome indica, a recuperação da empresa de modo a evitar a falência.
Nós já vimos em diversos conteúdos aqui no blog da FIA como os contextos externo e interno impactam na gestão de negócios.
Gerir é fundamental, ainda mais quando a economia não vai bem, como é o caso da brasileira.
Sabemos também que, no Brasil, os índices de mortalidade de empresas é relativamente alto, embora estejam em queda, segundo o Sebrae. Um dos principais motivos para a mortalidade, segundo o próprio Sebrae, é deficiência na gestão.
É nesse contexto que emerge a recuperação judicial como uma medida drástica para as empresas em dificuldades mais agudas.
Ela funciona como uma espécie de acordo intermediado pela justiça.
Nesse pacto, as empresas podem negociar, com respaldo jurídico, condições mais suaves para quitar dívidas trabalhistas, fiscais, com fornecedores e demais parceiros; ou seja, a empresa deve repensar o seu negócio e de que forma diferente a mesma irá continuar a sua atividade.
Se não houvesse essa forma de amparo legal, o ambiente de negócios correria o risco de se tornar inviável.
Afinal, toda empresa, mais dia, menos dia, vai passar por um período menos próspero.
Imagine, então, se não houvesse alternativa que não fosse aceitar uma falência?
A empresa e seus sócios perderiam muito dinheiro, menos empregos seriam gerados e a própria economia seria desacelerada com a morte de empresas em sequência.
É importante destacar que a recuperação judicial não é uma “mãozinha” para organizações que não sabem gerir suas atividades.
Seu objetivo principal tem mais a ver com a função social das pessoas jurídicas
Em um país cuja economia é pautada pela livre iniciativa, é nas empresas que está a base para o desenvolvimento da sociedade.
Sendo assim, o governo precisa dar garantias de que, em caso de dificuldades, essa mesma sociedade não sofra os efeitos negativos da má gestão das empresas.
Claro que, quanto maior o porte da empresa em recuperação, mais profundos serão os impactos. Uma empresa em recuperação judicial é como um paciente que vai para a UTI. O paciente pode sair da UTI, ir para o quarto e receber alta ou não.
No Brasil, infelizmente, de cada 100 empresas que tem a recuperação judicial aprovada pelos credores e deferidas pelo juiz somente 5 conseguem êxito; ou seja, voltam a gerar valor para os acionistas, empregos e renda na economia (fonte – estudo SERASA).
Por isso, um processo de recuperação judicial é necessariamente orientado por regras, afinal, ele é sempre conduzido por um órgão do Poder Judiciário.
Por mais que uma empresa prestes a falir demande ações urgentes, não se pode esperar que uma recuperação aconteça em ritmo acelerado.
Isso porque há certa complexidade envolvida quando se chega a esse ponto.
Uma empresa que pede recuperação estará efetivamente em maus lençóis.
Se ela precisa de ajuda, é porque não consegue mais resolver suas pendências com os recursos que tem.
Sendo assim, é preciso muito cuidado para que a organização consiga saldar suas dívidas e, na sequência, dar continuidade aos negócios sem cometer os erros do passado.
Por esses e outros motivos, um processo de recuperação é dividido em três etapas:
Nessa fase preliminar, a empresa em dificuldades ingressa na justiça com o pedido de recuperação.
Portanto, essa solicitação deve informar:
1. Os motivos que a levaram a entrar em crise – diagnóstico – neste ponto, está um dos fatores mais importantes de êxito/fracasso do processo de recuperação judicial.
É sabido que um dos grandes motivos das empresas solicitarem a recuperação judicial é a questão da gestão. Porém, são muitos poucos planos que apresentam este diagnóstico e, portanto, não apresentam como uma das soluções a troca dos gestores (fonte – dissertação de Mestrado Michel Sarraff FIA 2019).
Outro fator importante – das 21 empresas estudadas na dissertação, 70% delas apresentava resultado operacional negativo, ou, seja desconsiderando a questão da estrutura de capital, a maioria já estava gerando prejuízo operacional.
Por outro lado, quando você analisa as causas apontadas pelas empresas no Plano de Recuperação, é observado que despesas financeiras e juros altos são normalmente apontados como os vilões, quando na verdade eles somente aumentam a dificuldade de gestão do negócio, que já era negativo, ficando mais negativo.
2. Seus resultados contábeis de pelo menos três anos
3. Dívidas em aberto
4. Relação dos bens de proprietários e sócios.
Uma vez que a empresa ingressa na justiça solicitando recuperação, caberá ao órgão do judiciário avaliar se, de fato, ela tem direito a esse benefício.
Preliminarmente, é verificado se a empresa preenche os pré-requisitos indispensáveis para fazer jus à recuperação.
Satisfeitas todas as exigências, então, o juiz dá sequência no processo, cuja etapa seguinte é a nomeação de um administrador judicial, que pode ser uma empresa de consultoria ou mesmo um escritório especializado.
Nessa fase, são suspensas as ações em todas as esferas contra a empresa em recuperação.
Na continuidade, são convocados os credores da empresa, que deverão formar uma assembleia para análise do plano de recuperação judicial apresentado pela devedora.
Para sua aprovação, é exigida votação por unanimidade.
Caso ela seja obtida, o juiz concede a recuperação.
Do contrário, a empresa terá sua falência decretada.
Depois de aprovado o plano e da decisão favorável do juiz, começa a etapa na qual o plano é executado.
Será hora, portanto, de a empresa devedora cumprir com todas as obrigações nele previstas.
Atendidas as exigências nos prazos estipulados, caberá à Justiça, enfim, encerrar o processo de recuperação.
Deve se destacar que o descumprimento de qualquer uma das ações previstas no plano levará a empresa a ter sua falência decretada.
A recuperação judicial tem estreita ligação com um ramo do direito, o Direito Falimentar.
De acordo com a doutrina dessa matéria, nem sempre uma empresa acumula dívidas de má fé.
Isso também se enquadra em um princípio que norteia decisões de juízes na esfera cível e criminal, o da presunção de inocência.
Logo, toda empresa, até que se prove ao contrário, não entra em um processo de falência por má fé ou dolo, que é a intenção de lesar.
Nesse sentido, a recuperação judicial ganha ainda mais importância, já que serve como instrumento para se fazer justiça.
A recuperação também é um mecanismo de defesa não só dos interesses econômicos de particulares, como os da sociedade na qual está inserida.
Como já destacamos, uma empresa não quebra sozinha.
Quando encerra suas atividades, leva junto empregos e toda uma cadeia produtiva que se beneficia de sua atuação.
São motivos fortes o bastante para realçar a importância da recuperação judicial, concorda?
Toda empresa que atenda às exigências dispostas na Lei 11.101/2005 pode pedir recuperação judicial, se entender que é necessário.
Nesse sentido, estão proibidas de solicitar o recurso cooperativas de crédito, planos de saúde, empresas cujo capital seja misto e estatais.
O pedido de recuperação judicial deve ser protocolado em uma Vara de Falências.
É nela que a empresa oficializa seu pleito, apresentando os documentos já citados no tópico sobre a fase postulatória e outros conforme o caso.
Além daqueles já destacados anteriormente, deverão compor a juntada a ser entregue outros comprovantes e registros.
Veja quais são.
E não para por aí.
Há documentos nos quais uma série de informações devem ser especificadas para que o juiz possa avaliar a real situação da empresa.
Os mais extensos deles são:
Nesta lista, deverão constar os credores que ainda não estão com dívidas vencidas, assim como a natureza de cada débito e a classificação deles com valores atualizados.
Devem ser informados, ainda, os endereços dos credores, além dos registros contábeis relativos a cada débito informado.
Funções e atividades exercidas, salários, benefícios e gratificações às quais os funcionários tenham direito devem ser declaradas na relação dos empregados.
Para cada débito, a empresa deverá informar também os meses de referência, discriminando os valores para cada funcionário listado.
A empresa deverá apresentar também o respectivo certificado de situação regular junto ao Registro Público de Empresas.
Deverá anexar as atas de nomeação dos atuais administradores e o ato constitutivo atualizado.
Em um pedido de recuperação, é necessário averiguar a situação financeira da empresa devedora.
Por isso, devem ser anexados ao pedido extratos atualizados das contas bancárias em nome da empresa.
Também devem ser incluídos comprovantes de aplicações financeiras de todos os tipos, tal como investimentos em ações ou em fundos de renda fixa ou variável.
Devem ser informadas todas as ações que, porventura, tenham sido movidas contra a empresa, em especial as que figurem na Justiça Trabalhista.
Para cada ação, deve ser repassada uma projeção dos valores pleiteados pela parte autora.
Para fazer jus à recuperação judicial, é preciso observar o disposto em lei, que determina as exigências para ser elegível.
São elas:
Uma empresa em recuperação judicial deve seguir fielmente o plano aprovado pela assembleia de credores e pela justiça.
Enquanto estiver reestruturando suas dívidas, ela é obrigada a apresentar balanços mensais de suas atividades para o administrador judicial.
É ele quem fará o “meio de campo” entre empresa, credores e a Justiça, comunicando ao magistrado as medidas que estão sendo tomadas e orientando a empresa devedora.
Um processo de recuperação, como se pode inferir, leva tempo para ser concluído.
No estado de São Paulo, por exemplo, uma empresa pode levar até 3 anos para “limpar” o seu nome perante a Justiça e cerca de 517 dias para aprovar um plano de recuperação.
Portanto, assim que pede recuperação judicial, ela tem um árduo caminho pela frente.
Até que esteja novamente apta (ou não) a gerar lucro e valor para clientes, acionistas e colaboradores, um longo percurso deve ser percorrido.
A gestão de pessoas é profundamente afetada em empresas em recuperação.
Demissões, cortes de salários e bonificações, entre outras medidas de contenção, se fazem necessárias nesse difícil período.
Na verdade, a empresa deve reduzir ao mínimo a sua folha de pagamento, afinal, a prioridade é honrar compromissos passados.
Por isso, as lideranças nas empresas nessa situação precisam ser extremamente capazes de engajar colaboradores que, naturalmente, estarão preocupados e desmotivados.
Esse é um grande desafio que só pode ser superado quando todos estão unidos em torno de uma mesmo propósito: salvar a empresa da bancarrota.
Não são poucos os casos de grandes e aparentemente sólidas empresas que quase foram à lona em função de problemas diversos.
Na pesquisa de dissertação de Michel Sarraff, durante o período de 2005 a 2017, foram encontradas 21 grandes empresas de capital aberto que tiveram a sua recuperação judicial aprovada pelos credores e aprovada pelo juiz.
Quadro – Resumo das empresas que tiveram RJ aprovada pelos credores
Nome | Setor | Mês do Pedido de Recuperação Judicial |
Sansuy | Plástico | Dezembro de 2005 |
Cerâmica Chiarelli | Cerâmica | Dezembro de 2008 |
Fiação Tecelagem São José | Tecidos | Julho de 2010 |
Tecnosolo | Construção e Engenharia | Agosto de 2012 |
Schlosser | Tecidos | Abril de 2011 |
Buettner | Tecidos, Vestuário e Calçados | Maio de 2011 |
Celpa | Energia Elétrica | Fevereiro de 2012 |
Teka Têxtil | Tecidos | Dezembro de 2012 |
Refinaria de Petróleo de Manguinhos | Petróleo, Gás e Biocombustíveis | Janeiro de 2013 |
GPC Participações | Setor Químicos | Abril de 2013 |
Lark Máquinas | Montadora | Maio de 2012 |
Clarion | Setor Alimentos | Junho de 2013 |
OGX Petróleo | Petróleo, Gás e Biocombustíveis | Outubro de 2013 |
Mangels | Siderurgia e Metalurgia | Novembro de 2013 |
Hermes | Comércio | Dezembro de 2013 |
Fibam Cia Industrial | Siderurgia e Metalurgia | Outubro de 2014 |
MMX Sudeste Mineração | Setor Mineração | Outubro de 2014 |
Eneva | Energia | Dezembro de 2014 |
Sultepa | Construção Civil | Julho de 2015 |
Wetzel | Material de Transporte | Fevereiro de 2016 |
Viver | Construção Civil | Setembro de 2016 |
PDG | Construção Civil | Fevereiro de 2017 |
Fonte: Fundamentus (2018) compilado pelo autor.
Das empresas listadas no quadro acima, somente a CELPA conseguiu sair da Recuperação Judicial e gerar valor ao mesmo tempo; 77% das empresas estudadas apresentaram Ebit negativo até o sexto anos após o deferimento da RJ.
A recuperação judicial é frequentemente confundida com a falência.
Contudo, como vimos ao longo deste artigo, a primeira tem como objetivo evitar a segunda.
Quando uma empresa decreta falência, portanto, é obrigada a liquidar todo o seu patrimônio para honrar os compromissos em aberto.
Já a recuperação deve ser orientada não só para pagar essas dívidas como para manter a empresa ativa, preservar empregos e garantir o retorno de investidores e credores.
Definitivamente, não é nada fácil um processo de recuperação judicial.
Afinal, se até mesmo para empresas solventes gerar lucro e valor é um desafio dos grandes, imagine para uma que esteja atolada em dívidas e com problemas de gestão?
Contudo, é possível sair do buraco e voltar aos dias de glória.
Talvez um bom caminho para evitar a perigosa situação de ter que recorrer à recuperação judicial é investir em gestão de riscos e compliance.
Esse é um dos cursos de extensão oferecidos pela Fundação Instituto de Administração (FIA), instituição de Ensino Superior de excelência em graduação e pós-graduação em gestão de empresas.
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