A interdisciplinaridade costuma ser citada como um conceito novo para a educação, mas vem sendo debatida desde meados do século 20.
O assunto continua em pauta, principalmente, por causa das barreiras que enfrenta na prática, sendo ainda pouco difundido entre escolas e instituições de ensino superior.
Afinal, a ideia de construir pontes entre disciplinas que foram, por tanto tempo, estudadas de forma isolada tem a capacidade de provocar transformações profundas no processo de ensino-aprendizagem.
Se, por um lado, essas mudanças causam receio por parte de pais, educadores e administradores de centros de ensino, por outro, pode ser uma grande aliada na construção do senso crítico e de cidadãos mais conscientes.
Ao longo deste artigo, trazemos definições, objetivos, metodologia e benefícios da interdisciplinaridade nos dias de hoje, incluindo seu papel na educação superior.
O tema interessa? Então, confira um resumo com os tópicos comentados:
Boa leitura!
Interdisciplinaridade é um conceito que busca a intersecção entre conteúdos de duas ou mais disciplinas para permitir que o aluno elabore uma visão mais ampla a respeito dessas temáticas.
A prática interdisciplinar procura romper com padrões tradicionais que priorizam a construção do conhecimento de maneira fragmentada, revelando pontos em comum e favorecendo análises críticas a respeito das diversas abordagens para um mesmo assunto.
Segundo as reflexões do autor Hilton Japiassu, no livro “Interdisciplinaridade e patologia do saber”:
“Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicos, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de fazê-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados.”
Parece um pouco complexo? Vamos a um exemplo.
A fim de conscientizar uma classe sobre os efeitos adversos dos combustíveis fósseis, um professor de Biologia do Ensino Médio resolve se unir aos colegas que lecionam Geografia, História e Química em um projeto interdisciplinar.
Tudo começa com pesquisas em História, que apontam para as origens do uso de carvão mineral e petróleo como combustíveis pela humanidade.
Em Geografia, os alunos reconhecem os principais conflitos geopolíticos desencadeados pela oferta, procura e uso do petróleo como arma política para forçar diferentes países a tomar decisões.
Nas aulas de Química, a classe desenvolve atividades de análise da composição de moléculas dos combustíveis fósseis, seu papel no agravamento do efeito estufa e aquecimento global.
Por fim, o professor de Biologia mostra como o contato com carvão mineral e petróleo afeta a vida de diversos organismos, além dos impactos do aquecimento global para a extinção de espécies da flora e fauna.
Ao final do projeto, os estudantes terão aprendido muito mais sobre combustíveis fósseis, efeito estufa, geopolítica e aquecimento global do que se tivessem estudado os assuntos separadamente.
Isso porque eles estarão desenvolvendo a capacidade analítica, identificando pontos de conexão e contextualizando a relação entre pautas relevantes e atuais.
O principal objetivo da interdisciplinaridade é conferir ferramentas para enriquecer a visão de mundo dos alunos.
A partir dessa abordagem, indivíduos de todas as idades compreendem que um mesmo fato ou tema pode ser observado e estudado a partir de diferentes pontos de vista.
Essa base se torna um pilar para a construção do pensamento crítico que, em vez de assumir qualquer mensagem como verdadeira, é capaz de questionar as informações, apurar sua veracidade e aceitar que pode existir mais de uma resposta para uma mesma pergunta.
Ou seja, a interdisciplinaridade auxilia na formação de cidadãos bem informados e empáticos, pois desafia as pessoas a se colocarem no lugar umas das outras para entender o que está por trás de uma crença.
Essa capacidade é útil, também, para não cair em armadilhas como a disseminação de notícias falsas (fake news) e para dar suporte a estudantes empoderados.
Isso porque a transversalidade entre as disciplinas estimula crianças, adolescentes, jovens e adultos a pensar por si próprios, usando sua autonomia para enxergar soluções diferenciadas para velhos problemas – o que leva à inovação.
Com criatividade, autonomia e curiosidade, cada indivíduo se sente seguro para elaborar seu repertório e utilizá-lo na descoberta de respostas inovadoras.
O conceito atual de interdisciplinaridade surgiu em meados do século 20, quando diversos autores publicaram trabalhos questionando a fragmentação dos saberes transmitidos nas instituições de ensino.
Tudo começou no âmbito das ciências humanas, diante da constatação de que, ao encaixar as temáticas em determinadas disciplinas, de forma isolada, os alunos tinham maior dificuldade de enxergar o todo e contextualizar esses assuntos.
Essa tendência fragmentada predominava devido à visão mecanicista do início da modernidade, que influenciou as escolas a focarem em modelos de especialização do conhecimento, conforme relata este artigo:
“Sobretudo pela influência dos trabalhos de grandes pensadores modernos como Galileu, Bacon, Descartes, Newton, Darwin e outros, as ciências foram sendo divididas e, por isso, especializando-se. Organizadas, de modo geral, sob a influência das correntes de pensamento naturalista e mecanicista, buscavam, já a partir da Renascença, construir uma concepção mais científica de mundo.”
Com o propósito de oferecer, também, uma percepção que inclua o todo, mostrando a importância de atentar ao diálogo entre as disciplinas, autores como Kapp, Piaget, Vygotsky e Gusdorf aderiram ao movimento de apoio à interdisciplinaridade.
Foi-se o tempo em que a maioria dos alunos se contentava em seguir um cronograma determinado pelas instituições de ensino.
A dinâmica de vida atual, repleta de opções de serviços, trouxe à tona a demanda por compreender a utilidade daquilo que se aprende.
Um dos bens mais valorizados hoje em dia é o tempo, portanto, é vital saber para que vai servir o conhecimento adquirido, já que ele custa tempo, esforço e dedicação.
Essa máxima é ainda mais urgente entre aqueles que cursam o Ensino Superior, uma vez que são adultos buscando se conectar com o mundo a partir de uma profissão com a qual se identificam.
Muitas vezes, eles desejam se expressar e deixar um legado positivo através do trabalho e da carreira que constroem, o que aumenta a relevância da aquisição de saberes contextualizados.
Nesse sentido, apostar na interdisciplinaridade auxilia na compreensão e aplicação de conteúdos de um jeito prático, mostrando os motivos que os levaram a se encaixar na grade curricular.
Essa é uma maneira de demonstrar a importância de cada disciplina, em especial as mais teóricas, para formar profissionais competentes e preparados para o mercado de trabalho.
Também permite que professores e alunos mantenham uma relação próxima para elaborar saberes válidos, que superem a esfera técnica para fazer a diferença na rotina profissional e, por vezes, até no campo pessoal.
A interdisciplinaridade pode explorar diferentes tipos de metodologias, sempre partindo do princípio de abordar os saberes de forma integrada.
Ou seja, ela pressupõe um planejamento pedagógico menos rígido, que leve em consideração as particularidades dos alunos e grupos para que saiam do estado atual (em que são leigos) para o estado desejado (no qual dominam o conhecimento sobre uma temática).
No entanto, o processo precisa ser estruturado e orientado pelo educador, com fases definidas para que os estudantes acompanhem seu progresso e celebrem a conclusão de cada passo.
Ao final, os resultados tendem a ser diferentes entre um grupo e outro, ou mesmo entre membros de um mesmo grupo ou classe, pois a solidificação do conhecimento depende do que já se sabia e das vivências prévias.
De acordo com o texto “O que é essa tal interdisciplinaridade?”, assinado pela mestre em Ensino de Física Patrícia Takahashi, uma das metodologias interdisciplinares mais conhecidas é a Ilha Interdisciplinar de Racionalidade (IIR).
O método se pauta em 8 etapas flexíveis, que podem ser recombinadas ou aglutinadas conforme o processo se desenvolve.
A especialista explica as fases da seguinte forma:
Tem como função apresentar ou definir uma temática junto com os alunos.
Deve esclarecer qual o tempo de duração e os objetivos a serem alcançados na resolução de um problema real.
Sempre que possível, tentando participar e responsabilizar os alunos sobre as escolhas e tomadas de decisão na definição de um projeto.
Define a questão de pesquisa, quem são os participantes, a previsão de normas e possíveis restrições para o desenvolvimento da IIR e do produto que resulta dela.
É preciso alcançar um produto que sintetize o trabalho desenvolvido, seja ele material, intelectual ou virtual, por exemplo.
Desenvolve conteúdos disciplinares e procedimentais que são necessários para resolver o problema da IIR.
Busca informações externas à instituição, incluindo aí museus, oficinas e fábricas.
A ideia é apresentar espaços de conhecimentos não formais e interdisciplinares por natureza.
É nesta etapa que ocorre o desenvolvimento de conteúdos disciplinares específicos.
Ela pode ser desenvolvida junto com a etapa 3.
Tudo depende das necessidades específicas do grupo e do tempo disponível para realizar a IIR.
Tem como função organizar a elaboração do produto.
Serve para finalizar o produto da IIR.
Por fim, temos a síntese, onde é apresentado e avaliado o produto, além dos resultados obtidos em termos de domínio, comunicação e autonomia.
Uma das formas de incluir uma abordagem interdisciplinar em faculdades e universidades é seguir as recomendações da própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 9.394/1996).
Conhecida como LDB, essa norma engloba Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) que vão além de currículos mínimos obrigatórios, estabelecidos de modo fragmentado pelo MEC, para prezar pela flexibilidade e liberdade dos atores envolvidos no processo de ensino-aprendizagem.
A dica é organizar currículos que contenham:
Para tanto, é vital começar por uma formação interdisciplinar para os professores, a fim de que compartilhem uma visão sistêmica com seus alunos, deixando de lado o papel de meros transmissores de conteúdo.
Nesse novo cenário, os educadores devem ser aptos a decidir, junto aos estudantes, o caminho mais adequado para abordar um tema, junto a ferramentas interessantes à construção dos saberes da classe.
Em contrapartida, os universitários devem assumir o protagonismo de seu processo de aprendizado, participando das tomadas de decisão, dando e recebendo feedbacks a respeito das experiências vivenciadas, pontos úteis e quais precisam de aprimoramento.
Metodologias interdisciplinares representam uma série de vantagens para alunos, educadores, instituições de ensino e para a sociedade como um todo, que ganha cidadãos com senso crítico apurado.
Daí o potencial transformador do método interdisciplinar: aos poucos, ele promove a empatia, a solidariedade e a inclusão social, começando dentro das escolas, centros de ensino e faculdades.
O mercado de trabalho também se beneficia de profissionais qualificados com competências comportamentais, principalmente a flexibilidade e a capacidade de trabalhar em equipe.
Formam-se, assim, times alinhados e que impulsionam projetos relevantes.
Acompanhe, abaixo, outros benefícios de investir na interdisciplinaridade.
Não estamos dizendo que o currículo que divide os assuntos sob o domínio de diferentes matérias implica na queda da qualidade da aprendizagem.
Porém, o desajuste e a falta de informações sobre a utilidade de cada disciplina e atividade contribuem para a alienação do aluno, que se torna desinteressado e menos propenso a aprender, de fato.
É por isso que muitas pessoas simplesmente passam por aulas de uma ou mais matérias, sem conseguir se lembrar dos conteúdos poucos meses mais tarde.
Para corrigir essa rota, a interdisciplinaridade apresenta demandas que os estudantes elegem como essenciais e importantes, combinadas em projetos que reúnem várias matérias em prol de um saber contextualizado.
Falamos, antes, sobre a importância do pensamento crítico para formar pessoas conscientes, empáticas e capazes de apurar informações.
Ao mostrar os vários lados de um problema, a interdisciplinaridade favorece essa construção, exercitando a capacidade analítica de forma simples.
Quando os currículos fragmentados foram criados, a ideia era preparar o aprendiz para se tornar um especialista em sua área, o que fazia sentido, pois atendia à demanda em vilarejos e cidades pequenas.
Ali, os saberes específicos conferiam destaque aos profissionais, que raramente enfrentavam concorrência ou precisavam se aliar a outros trabalhadores para executar um projeto.
Mas os tempos mudaram, e a visão sistêmica, que consegue vislumbrar o todo e as partes, voltou a ser significativa para o trabalho e a vida.
Misturando disciplinas e pontos de vista, fica mais simples para o estudante desenvolver essa visão ampla.
Lembra que falamos, acima, sobre a formação do pensamento crítico?
Ela só se dá porque o acesso a diferentes pontos de vista leva à conscientização do aluno sobre a importância de suas ações e o impacto delas na sociedade.
Evidencia, ainda, as desigualdades que permeiam os grupos sociais, preconceitos e disparidade quanto às oportunidades e acesso a recursos materiais, financeiros, intelectuais, entre outros.
A formação crítica favorece o empoderamento de estudantes e professores, que assumem o protagonismo do processo de ensino, deixando de lado os currículos engessados para priorizar os saberes efetivos.
Ou seja, as lições e aprendizados se tornam prioridade dentro de espaços como a escola e a universidade.
Aos poucos, a dinâmica de aprendizagem pode ser reformulada para atender às demandas atuais com maior eficiência.
Os maiores projetos da atualidade exigem o trabalho em equipe – competência cada vez mais valorizada dentro das organizações contemporâneas.
Ao unificar o trabalho de professores, a abordagem interdisciplinar dá um exemplo de cooperação, fomentando a criação de ambientes colaborativos.
Desse modo, trabalhar em grupo e se ajudar mutuamente se tornam rotina entre os estudantes.
Você já deve ter ouvido falar de equipes multidisciplinares, que incluem pessoas com diferentes áreas de atuação para compor um time, cada qual com sua função bem delimitada.
Esse é um bom exemplo para definir a multidisciplinaridade, conceito em que várias disciplinas se unem de modo pontual, a fim de que cada uma cumpra seu próprio programa.
Podemos dizer que essa metodologia está um passo atrás da interdisciplinaridade, que propõe uma abordagem conjunta para atingir um mesmo fim – a aquisição de saberes a respeito de um tema.
Portanto, a diferença entre interdisciplinaridade e multidisciplinaridade está na profundidade da integração entre as disciplinas e na existência, ou não, de um propósito em comum.
Comentamos, neste artigo, algumas metodologias, propostas e contribuições da interdisciplinaridade para a promoção de transformações no processo de ensino-aprendizagem.
Mas o potencial dessa dinâmica é maior, podendo modificar padrões de comportamento, resultando em benefícios para indivíduos, grupos, empresas e até a sociedade como um todo.
E você, já participou de algum projeto ou equipe interdisciplinar? Deixe um comentário abaixo, contando sua experiência.
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