Instaurado em março de 2019, o inquérito das fake news vem dando o que falar desde então.
Em sua origem, havia ameaças contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), com manifestantes promovendo atos classificados como antidemocráticos.
Mas a investigação inicial teve uma série de desdobramentos, polêmicas e debates acalorados.
A existência de uma rede de produção de notícias falsas assumiu o protagonismo da investigação, culminando em perfis poderosos bloqueados em redes sociais e operações de busca, apreensão e até prisão de apoiadores do governo do presidente Jair Bolsonaro.
Se você não acompanhou o desenrolar do inquérito no dia a dia, é natural que tenha uma série de dúvidas a respeito.
Por isso, preparamos um artigo com todas as informações sobre o tema, destacando seis pontos principais para facilitar o entendimento.
Também falaremos sobre os perigos das fake news e o que você pode fazer para combater essa prática.
Confira os tópicos que iremos abordar a partir de agora:
Siga acompanhando e boa leitura!
Fake news é um termo em inglês que se refere à publicação e disseminação de notícias falsas que tem o objetivo de obter vantagens ou prejudicar alguém de maneira mais ou menos imediata e direta.
Ou seja, a expressão Fake News define mentiras e falsidades que são, na maioria das vezes, difundidos com o uso da internet.
Óbvio que eles já existiam muito antes da invenção da rede mundial de computadores, contudo, era difícil tomarem as proporções que tomam nos dias de hoje.
Basta recordar as consequências do compartilhamento de fake news através de correntes no WhatsApp, páginas de sites duvidosos e postagens em redes sociais, como Facebook e Twitter.
Em poucos cliques, as notícias falsas chegam a milhões de pessoas que, por não tomarem alguns cuidados, acabam contribuindo para que mentiras se espalhem, chegando ao ponto de apoiar condutas criminosas.
Embora os boatos tenham se espalhado no ambiente digital desde a popularização da web, foi durante a campanha do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que o assunto ganhou maior notoriedade.
O então candidato utilizou tanto o termo fake news que ele foi escolhido como a palavra do ano pelo dicionário Collins.
Mais tarde, o próprio Trump enfrentou investigações para verificar supostas ligações com esquemas de desinformação de origem russa, que podem ter contribuído para que ele vencesse as eleições de 2016.
Está aí um exemplo dos perigos relacionados à criação e veiculação de notícias falsas, sobre os quais falamos com mais detalhes a seguir.
Fofocas, mentiras e boatos são tão antigos quanto a humanidade, e há aqueles que não representam grande perigo.
É o caso de comentários inofensivos, simpatias e contos inventados a partir de crenças sobre temas desconhecidos.
No entanto, as fake news costumam ser pautadas por interesses escusos que, no mínimo, visam espalhar a desinformação para manipular pessoas, grupos ou populações, a fim de que adotem determinadas posturas e opiniões.
No caso das eleições dos EUA em 2016, cientistas políticos divergem sobre o real impacto da distribuição de boatos sobre os principais candidatos à presidência naquele país.
Mas tanto esses especialistas quanto pesquisadores concordam que as notícias falsas tiveram efeito sobre a agenda dos veículos tradicionais de imprensa e assuntos que pautaram os debates que integraram a corrida presidencial.
Assim, ficou claro o impacto sobre a opinião pública, concentrando as notícias, análises e discussões em temas favoráveis à agenda de Donald Trump, como a imigração.
Um dos estudiosos do caso foi Ethan Zuckerman, especialista em comunicação do Media Lab do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele declarou ao site do El País que:
“No começo da campanha as pessoas não falavam muito de imigração, mas em parte pelo Breitbart [veículo de direita] e em parte por Trump a imigração se transformou no assunto primordial”.
À medida em que mais indivíduos e veículos de comunicação abordavam a pauta, ainda que com críticas à política anti-imigração, eles contribuíam para que o tema ganhasse relevância e fosse ainda mais disseminado com o reforço de algoritmos.
No Brasil, as eleições de 2018 seguiram a tendência, sendo marcadas por diversas notícias falsas com o intuito de prejudicar candidatos rivais.
Vale citar, também, consequências drásticas de fake news, com casos no Brasil.
O mais emblemático resultou no linchamento e morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, confundida com a autora de um crime que sequer ocorreu.
Após visualizar um boato veiculado em uma página no Facebook denominada Guarujá Alerta, um grupo de pessoas confundiu Fabiane com uma suposta mulher que estaria sequestrando crianças para rituais de magia negra no município.
Clamando por justiça, a multidão foi até a residência da dona de casa e a agrediu, provocando o traumatismo craniano que levou a vítima à morte.
Mais tarde, a Polícia do Guarujá afirmou não ter registro de sequestro de crianças na região.
Notícias falsas também podem ser usadas para:
O Inquérito 4.781, popularmente conhecido como inquérito das fake news, é uma investigação impetrada pelo ministro Dias Toffoli diante de denúncias caluniosas, notícias falsas e ameaças aos membros do STF.
Após abrir a investigação, Toffoli nomeou o ministrado Alexandre de Moraes como relator, ou seja, responsável por conduzir as operações de apuração e encaminhar uma conclusão.
Sob a premissa de existir uma sociedade criminosa organizando ações contra o Supremo, Moraes chegou a mandar retirar uma reportagem da Revista Crusoé do ar, ainda em 2019.
Em seguida, comandou uma série de operações relacionadas ao inquérito, com mandados de busca e apreensão, além da coleta de relatos de testemunhas e suspeitos.
De acordo com Moraes, já há provas de que existe um “gabinete do ódio“, dedicado:
“À disseminação de notícias falsas, ataques ofensivos a diversas pessoas, às autoridades e às Instituições, entre elas o Supremo Tribunal Federal, com flagrante conteúdo de ódio, subversão da ordem e incentivo à quebra da normalidade institucional e democrática.”
As investigações afetaram diretamente empresários e políticos que apoiam Bolsonaro, provocando respostas pouco cordiais por parte do presidente.
Em 17 de junho de 2020, Bolsonaro criticou essas e outras operações do Supremo, incluindo uma ordem de Moraes, que havia pedido a quebra de sigilo bancário de 11 parlamentares supostamente envolvidos no financiamento de manifestações antidemocráticas.
Um mês depois, o ministro Alexandre de Moraes prorrogou o inquérito das fake news, que seria finalizado dia 15 de julho, por mais 6 meses.
Agora que você já sabe em que consistem as investigações, veja um apanhado com respostas para as principais dúvidas sobre esse assunto.
Segundo o ministro Dias Toffoli, era preciso tomar medidas para combater grupos que desejam instaurar o caos e enfraquecer a democracia brasileira.
O então presidente do Supremo Tribunal Federal deixou o cargo no dia 10 de setembro de 2020, mas, antes, concedeu entrevista explicando que a decisão de iniciar a investigação foi a mais difícil de sua gestão.
“Mas ali já vínhamos vivendo algo que vinha ocorrendo em outros países, o início de uma política de ódio plantada por setores que queriam e querem destruir instituições, que querem o caos.”
Entre os investigados, estão deputados que usam, com frequência, suas redes sociais para atacar ministros do STF, chegando a defender uma intervenção das Forças Armadas no órgão.
Na prática, responder às investigações com repressão violenta implica em calar as vozes dos magistrados, flertando com ferramentas usadas por ditadores.
Essa é uma das questões mais contraditórias sobre a investigação.
Ao abrir o inquérito, o ministro Dias Toffoli quebrou o rito usual nesse cenário, que afirma que cabe à Procuradoria Geral da República ou à Polícia Federal a prerrogativa de iniciar as investigações.
Outra quebra do protocolo foi a nomeação do relator, Alexandre de Moraes, pelo próprio Toffoli.
Normalmente, o relator deveria ter sido sorteado entre os magistrados do STF.
Conforme analisa o procurador Fábio George Cruz da Nóbrega, presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República), o inquérito das fake news foi instaurado através de um vício de origem.
Em entrevista à Folha de S. Paulo, ele pontuou que:
“Os ministros não podem concentrar diversos papéis, de vítima, investigador e julgador, porque isso quebra a imparcialidade do julgamento.”
Para sustentar sua postura, Toffoli comentou ter se baseado em um artigo que integra o regimento do STF, com o objetivo de proteger os ministros de ataques que aconteçam nas dependências da corte.
Diversos processos foram apresentados para solicitar a interrupção do inquérito, alegando sua ilegalidade, e um deles chegou a ser julgado pelo STF: a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) movida pelo partido Rede Sustentabilidade.
Ao final do julgamento, em 18 de junho de 2020, o Supremo decidiu que o inquérito das fake news está de acordo com a Constituição, determinando sua continuidade, desde que respeitados alguns limites.
Dentre os 11 ministros, apenas Marco Aurélio Mello votou pela descontinuidade das investigações, ressaltando que “não há garantia de imparcialidade” em um inquérito aberto e julgado pelo mesmo órgão.
Então, para os magistrados, o inquérito é legal.
Mencionamos, mais acima, que as notícias falsas podem atender a diversos propósitos.
No caso da investigação iniciada pelo STF, Toffoli acredita haver uma campanha de desinformação organizada para manipular a opinião pública, conforme cita esta reportagem:
“Mas o que se investiga naquele inquérito vai muito além de manifestações ou críticas contundentes contra a corte [o STF]. Trata-se de uma máquina de desinformação, utilizando-se de robôs, de financiamento e de perfis falsos para desacreditar as instituições democráticas republicanas e seus agentes.”
As investigações correm em sigilo, porém, deputados, blogueiros e empresários foram alvo de mandados de busca e apreensão desde que o inquérito foi instaurado.
Em sua maioria, defendem publicamente ações antidemocráticas como a interferência em autarquias, a recorrência às forças armadas e a aposentadoria compulsória dos ministros do STF.
O ex-deputado federal Roberto Jefferson figura entre os investigados mais conhecidos, devido à sua participação anterior no que ficou conhecido como escândalo do Mensalão.
Na lista também se destacam ativistas de extrema direita, como Rafael Moreno, que participa do Movimento Brasil Monarquista e membro da Confederação Monárquica do Brasil.
Sara Giromini, extremista que se diz líder de uma milícia organizada e que foi presa em 15 de junho devido à suspeita de envolvimento em atos antidemocráticos é mais uma investigada.
Além de políticos e blogueiros, donos de grandes empresas estão na mira do inquérito, a exemplo de Luciano Hang, proprietário da Havan, e Edgard Corona, que comanda as redes de academias SmartFit e BioRitmo.
Segundo relatórios que dão suporte ao inquérito das fake news, existe um esquema coordenado para a produção e difusão de boatos contra o STF e outras entidades, que ameaça a autonomia dos Três Poderes.
Nas palavras de Alexandre de Moraes, empresários financiam “notícias ofensivas e fraudulentas por intermédio de publicações em redes sociais, atingindo um público diário de milhões de pessoas.”
Com o apoio dos investimentos, é possível articular o impulsionamento de posts em redes como o Facebook e a movimentação em prol de uma nova ditadura militar.
A suspensão de contas nas redes sociais foi uma das punições aos acusados de participar do sistema investigado pelo inquérito das fake news.
Caso fique comprovado, na Justiça, que houve associação criminosa – caracterizada pela união de três ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes -, os acusados podem ser condenados a permanecer entre 1 e 3 anos na prisão, nos termos do Art. 288 do Código Penal brasileiro.
Se não, ainda podem ser punidos por crimes contra a honra, passíveis de multa e detenção de um mês a 3 anos, de acordo com os danos provocados.
Há três tipos de crimes contra a honra:
Advogados, assessores e os próprios acusados de disseminar notícias falsas costumam recorrer à liberdade de expressão para defender suas opiniões.
Afinal, a livre manifestação do pensamento é um direito fundamental garantido pela Constituição Federal, desde que o autor se identifique.
A liberdade de expressão também é um dos pilares da democracia, pois não pode haver um governo do povo se pontos de vista diferentes forem censurados.
Lembrando que a censura descreve a proibição da divulgação de uma mensagem ou material, impedindo que o público tenha acesso a essa informação.
Contudo, a liberdade de expressão não pode servir como justificativa para ofender alguém ou praticar atos ilegais. Como disse Oliver Wendell Holmes, juiz da Suprema Corte dos EUA, a liberdade de expressão não protege o sujeito que grita falsamente “fogo!” em um teatro lotado, causando pânico.
Vale a máxima de que o direito de um indivíduo é limitado pelo direito dos demais.
Se identificar uma notícia falsa, não compartilhe ou apoie a disseminação dela para outras pessoas.
Assim, você ajuda a impedir a propagação do boato e suas consequências.
Caso encontre fake news nas redes sociais, é possível acessar o menu que acompanha a postagem e denunciar o conteúdo enganoso à plataforma.
Correntes de WhatsApp enviadas por contatos próximos podem ser desacreditadas através do compartilhamento de uma checagem mostrando os dados reais sobre determinado cenário.
O importante é barrar a disseminação dos boatos, contribuindo para uma sociedade mais bem informada, que emprega o pensamento crítico no dia a dia.
Confira, abaixo, um check list para identificar fake news:
Neste artigo, falamos sobre a origem, operações e polêmicas desencadeadas pelo inquérito das fake news.
Abordamos, ainda, os perigos da propagação de notícias falsas e o que fazer para combater essa prática.
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