A interseccionalidade é uma das pautas que mais merecem atenção em relação à agenda da diversidade.
Ela trata de questões que demandam posturas e ações afirmativas para grupos sociais com potencial de sofrer dupla ou tripla discriminação.
Imagine, por exemplo, a pessoa ser mulher, negra, pobre, lésbica e de idade avançada.
Cada um desses “rótulos” já traria por si só uma série de preconceitos que, se estimulados, geram graves consequências no nível profissional e social.
Por isso, a interseccionalidade propõe uma forma mais madura de lidar com as diferenças, por meio do tratamento equânime para todos, não importando os estratos sociais aos quais pertençam.
Afinal, como aponta o governo, as mulheres negras são as principais vítimas de assassinatos no Brasil.
Esse é um problema que começa pela falta de ações afirmativas que promovam a inclusão social abrangendo perfis interseccionais.
Veja os tópicos abaixo, avance na leitura, saiba como se posicionar e defender essa importante causa social.
Avance na leitura para entender o que é interseccionalidade e por que ela é tão importante atualmente.
O termo interseccionalidade surgiu nos Estados Unidos, mais precisamente em 1991, quando a professora da faculdade de Direito da UCLA, Kimberlé Crenshaw, fez referência ao significado de interseccionalidade no artigo Mapping the Margins: Intersectionality, Identity Politics, and Violence against Women of Color.
Ele faz referência às diversas características que uma pessoa pode apresentar e que a definem perante a sociedade.
Um indivíduo pode ser branco e não sofrer racismo, mas pode ser homossexual e estar acima do peso, sofrendo por isso algum tipo de discriminação.
Ou uma mulher pobre pode ser cadeirante e, por causa disso, viver sob uma série de limitações sociais e físicas que essa condição impõe.
Portanto, a interseccionalidade fala do preconceito potencializado em pessoas que podem se encaixar em mais de um estereótipo.
Por isso, ao definir o que é interseccionalidade, há quem recorra à imagem dos círculos em intersecção, cada um deles simbolizando uma condição distinta.
O significado de interseccionalidade começou a ser definido bem antes da professora Kimberlé Crenshaw publicar o seu célebre artigo.
A história remonta aos anos 1960, também nos Estados Unidos, quando as mulheres negras estavam em plena mobilização pelos seus direitos civis.
Não por acaso, a interseccionalidade é um termo comumente utilizado por esse estrato social, já que ser mulher e negra é uma condição potencialmente desfavorável.
Ainda mais nos Estados Unidos na década de 1960, quando as tensões envolvendo ativistas negros e racistas haviam recrudescido como nunca.
No Brasil, por exemplo, isso é observado pela própria realidade do mercado de trabalho.
No universo das trabalhadoras domésticas, por exemplo, 65% são negras e mulheres.
Porém, conforme a sociedade evoluiu, a agenda da interseccionalidade se expandiu.
Hoje, o termo é usado para designar toda e qualquer pessoa que, por sua natureza ou opção, se enquadre em grupos sociais vulneráveis ou potencialmente alvos de preconceito.
A publicação do artigo da professora Crenshaw fez a sociedade despertar para uma forma de opressão que pode estar até mesmo entre ativistas de minorias.
Afinal, uma pessoa pode ser definida a partir da sua etnia, classe social, capacidades físicas/mentais e gênero, tudo ao mesmo tempo.
Esse é o pensamento que norteia o feminismo interseccional, o qual, de acordo com Crenshaw, trata de englobar as mulheres e suas diferentes origens.
Nesse caso, a interseccionalidade foca na luta feminista, mas sem esquecer que existem outras causas que devem ser também contempladas.
Do contrário, o feminismo em si seria um movimento elitista, já que não comportaria os dilemas de mulheres negras, asiáticas, portadoras de necessidades e por aí vai.
Por essa razão, o feminismo interseccional e o próprio movimento em prol da interseccionalidade se cruzam com as agendas de outros movimentos, como veremos a seguir.
Ainda que a interseccionalidade tenha suas origens na militância feminista, com foco nas mulheres negras, com o tempo ele foi sendo moldado, abraçando outras causas.
No Brasil, uma figura de destaque no debate interseccional é Carla Akotirene, líder do movimento Feminismos Plurais, que dá vida a uma ONG homônima.
Ela defende que a interseccionalidade passe a fazer parte do discurso de pessoas “Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer e Intersexos (LGBTQI), deficientes, indígenas, religiosos do candomblé e trabalhadores”.
O próprio movimento feminista, por ter dado origem à interseccionalidade, é também um importante pólo de atração de militantes e formação de lideranças.
É nele que florescem as teorias da professora Crenshaw e de pensadoras como Carla Akotirene e a antropóloga Adriana Piscitelli.
Vale destacar ainda as importantes adesões de ativistas dos direitos dos negros, LGBTQI, portadores de deficiência e todas as minorias ou classes que sejam vítimas de algum tipo de preconceito.
A interseccionalidade defende a integração das agendas em prol de minorias ou pessoas que sejam alvo de discriminação.
Como vimos, é um movimento que se origina do feminismo, que durante algum tempo deixou de contemplar as mulheres penalizadas socialmente por outras condições.
Logo, o feminismo e qualquer outro movimento afirmativo jamais será completo se, em suas pautas, não se opuser a todos os tipos de discriminação.
Dessa forma, a agenda interseccional deve abranger todas as causas para que os resultados de sua militância sejam consistentes.
Perceba como a importância da interseccionalidade é clara.
Vemos exemplos dessas ações no ensino, como mostrado no artigo “A interseccionalidade nas políticas de ações afirmativas como medida de democratização da educação superior”, de Daniela Auad e Ana Luisa Alves Cordeiro.
Outro estudo que enfatiza a interseccionalidade, mas no mercado de trabalho, é o “Mulheres Negras no Mercado de Trabalho: Interseccionalidade entre Gênero, Raça e Classe Social”, de Simone Costa Nunes e Claudia Aparecida Avelar Ferreira.
Ambos servem para entender não só como funciona a interseccionalidade, mas como se posicionar em relação às militâncias sem perder de vista outros tipos de discriminação.
A defesa dos direitos das classes sociais historicamente oprimidas é uma das bases de um estado democrático de direito.
Um povo que ignora os anseios das pessoas discriminadas jamais poderá ser considerado como justo e igualitário, muito menos evoluído.
A importância da interseccionalidade está em servir como referência para movimentos sociais que defendem os direitos humanos e para empoderar a quem precisa.
Sem a sua contribuição, os movimentos de defesa das minorias poderiam cair no discurso meramente separatista, isolando-os cada vez mais.
Afinal, não faz sentido defender o fim do preconceito quando esse mesmo preconceito encontra eco dentro dos movimentos pelo seu fim.
Portanto, a interseccionalidade é uma forma de evitar que a discriminação aconteça no contexto da militância em prol das causas feminista, negra, gay e contra a intolerância religiosa, entre outras.
As manifestações racistas contra o jogador Vinicius Junior, do Real Madrid, na Espanha, são um exemplo de como é difícil superar o preconceito.
Não é de hoje que os negros são alvo de todo tipo de discriminação e ódio apenas em função da sua etnia.
Isso nos dá uma ideia do tamanho dos desafios a serem enfrentados pela causa interseccional e da importância da interseccionalidade.
O preconceito contra os negros não vai acabar enquanto houver discriminação contra mulheres, da mesma forma que as mulheres não serão realmente emancipadas enquanto houver discriminação por causa da opção sexual.
Existe um discurso e uma causa transversal a todas essas, que precisa estar presente em toda ação afirmativa.
Portanto, temos um árduo trabalho de conscientização e de educação a ser feito, considerando os muitos desafios que a sociedade tem pela frente.
Confira alguns deles na sequência.
A partir do que vimos, a interseccionalidade nasce ao detectar que era preciso alinhar o libertarismo do discurso feminista às necessidades das mulheres de diferentes perfis.
Não faria sentido algum defender a causa das mulheres se isso fosse condicionado ao seu status social, cor da pele ou condição física.
Assim, o feminismo seria um movimento com uma abordagem enviesada e, portanto, sem sentido.
A inclusão social só existe de fato quando todos, sem exceção, são contemplados em seus direitos pelos movimentos igualitários.
É preciso eliminar toda e qualquer forma de enviesamento do discurso, de modo que todos os que lutam pela justiça social defendam uma só bandeira.
Ser inclusivo implica adotar uma série de medidas práticas que garantam que as pessoas não serão discriminadas em função da sua etnia, opção sexual ou sexo.
Bons exemplos disso são as empresas declaradamente favoráveis a políticas inclusivas, como o Spotify, que deixa bem claro em seu site o seu posicionamento a favor da diversidade (em inglês).
Cabe portanto às empresas, governos e à sociedade civil organizada materializar a inclusividade em todas as suas atividades e normas de conduta.
Outro exemplo a ser destacado é o da Mastercard que, em 2019, foi eleita a melhor empresa do Brasil para as mulheres trabalharem.
A cultura inclusiva da empresa se observa ao perceber a presença de mulheres em boa parte dos cargos diretivos e também a adesão a movimentos feministas, como a Aliança sem Estereótipos, da ONU Mulheres.
Não há inclusividade onde não há políticas que deem sustentação às ações afirmativas.
É relativamente comum observar no mercado empresas que defendem o discurso inclusivo na publicidade e no marketing mas, na prática, não contam com qualquer tipo de política nesse sentido.
A interseccionalidade não pode florescer onde se fala uma coisa e se pratica outra.
Logo, é fundamental que entidades, governo e a iniciativa privada criem políticas para dar respaldo às ações inclusivas.
A partir dessas políticas, poderão ser criadas normas para reger a convivência entre colaboradores e a relação com o público externo, como veremos a seguir.
Da mesma forma que um discurso bonito não vale muito sem políticas e ações práticas, as políticas valem pouco se não são traduzidas em normas.
Isso singifica que as empresas precisam ser bastante assertivas em suas regras de contratação e demissão, a fim de evitar que a discriminação venha se disseminar, com seus graves efeitos psicológicos e emocionais.
Um bom exemplo de como isso acontece nas empresas está na série “Suits”, disponível na Netflix.
No episódio 13 da segunda temporada “Zane vs Zane”, são abordadas importantes questões a respeito da discriminação por gênero nas empresas.
A diretora Nicole Kassell e o realizador Aaron Korsh mostram como as empresas podem perpetuar práticas discriminatórias, principalmente por não terem regras internas para impedi-las.
Embora seja ficção, a história é perfeitamente verossímil, principalmente se considerarmos o que acontece no meio corporativo, e gera boas reflexões.
Existem ainda as empresas que têm políticas e normas, mas que, por omissão de seus líderes, acabam por não aplicá-las em casos de discriminação.
A interseccionalidade só pode germinar e dar frutos onde encontra solo fértil e, nesse aspecto, é fundamental que as pessoas não deixem de fazer o “plantio”.
Se as empresas e órgãos governamentais pretendem de fato valorizar os direitos humanos, é preciso que suas lideranças jamais se omitam quando for necessário validar esses direitos.
A interseccionalidade é uma abordagem conhecida há mais de três décadas, mas ainda pouco representada, até mesmo no cenário das ONGs e OSCs.
Embora entidades como a já destacada Feminismos Plurais exerçam militância ativa, no âmbito interno, as empresas e até órgãos governamentais a representatividade é baixa ou inexistente.
Em muitas delas, falta até mesmo incorporar o termo interseccionalidade às políticas, normas e ações afirmativas.
Parece que há um certo desconhecimento sobre o assunto, ainda pouco abordado institucionalmente.
O que deveria haver é uma apropriação maior da agenda interseccional, de maneira que seja estimulada a formação de lideranças e de representantes à altura.
Como vimos, sem normas e leis, não há como avançar na erradicação da discriminação e do preconceito.
Embora muitas instituições que prestam serviço social até abordem a interseccionalidade em seus materiais educativos, falta ainda um corpus normativo para direcionar ações e pautar condutas.
Da mesma forma que racismo e homofobia passaram a ser tipificados como crimes, deveria haver mais leis enquadrando outras formas de discriminação.
Quem espalha o preconceito deve se sentir tolhido em suas ações discriminatórias, e isso só é possível quando são aplicadas leis nesse sentido.
Só a força da lei é capaz de punir aqueles que, mesmo contra as normas, insistem em disseminar o ódio e a intolerância baseada em gênero, etnia, sexo ou religião.
Por ser um movimento que nasce na luta feminista negra, a interseccionalidade naturalmente tem no machismo um dos seus principais antagonistas.
Pelo menos nesse aspecto, parece que o Brasil está avançando, ainda que timidamente, como evidencia a criminalização da violência doméstica pela Lei Maria da Penha.
As entidades governamentais também têm se manifestado abertamente contra o machismo e a misoginia, como na Campanha Sinal Vermelho, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Aliás, o machismo e toda manifestação misógina podem ser enquadrados como crime, nos termos da Lei 12.033/2009, que altera o Código Penal.
Como diz o texto do artigo 1º, ela “condiciona a ação penal em razão de injúria consistente na utilização de elementos referentes à raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”.
A agenda interseccional prevê a formação de subgrupos de pessoas discriminadas em razão de diferentes motivos.
Um dos tipos de discriminação que pode acontecer, principalmente no mercado de trabalho, é o etarismo ou idadismo, o preconceito baseado na idade.
Ele se manifesta claramente ao constatarmos que 57% dos profissionais já sofreram alguma forma de preconceito em razão da idade, como mostrado pela revista Exame.
Recentemente, ganhou visibilidade o caso da estudante Patrícia Linhares, que foi alvo de ofensas na internet por parte de alunas de uma universidade em razão da sua idade.
Então, a pauta da diversidade geracional é mais uma a ser incorporada pelos ativistas que defendem a interseccionalidade, em razão dos seus efeitos sociais e sobre o mercado de trabalho.
O forte vínculo entre interseccionalidade e o movimento feminista naturalmente faz desse um movimento contra o sexismo.
Nesse caso, não estamos apenas falando do machismo e a misoginia, mas de toda e qualquer discriminação em função do sexo da pessoa.
Portanto, até mesmo mulheres que, por algum motivo, discriminam homens só por serem homens, estão praticando o sexismo.
A homofobia é um caso à parte, já que o que está em jogo não é o sexo da pessoa, mas a sua orientação sexual.
De qualquer forma, o sexismo é um desafio para a agenda interseccional, pois pode até se camuflar como um falso feminismo ou um machismo disfarçado.
Neste conteúdo, você entendeu o significado de interseccionalidade e sua importância.
Fica claro que ela deve ser encorajada no nível institucional, de maneira que os jovens sejam educados para combater todo tipo de discriminação.
Defendê-la é uma forma de exercer a cidadania, garantindo um país mais justo e com oportunidades para todos.
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