O que você sabe sobre a Lei Rouanet?
É bastante provável que já tenha ouvido falar sobre ela – e ouvido muito, se considerarmos a visibilidade que o tema ganhou nos últimos meses.
Entre os vários tópicos polêmicos discutidos nas eleições presidenciais de 2018, a Lei Rouanet teve destaque.
À época, o então candidato Jair Bolsonaro deixou claro que alteraria o funcionamento de suas regras, o que gerou grande repercussão, tanto positiva quanto negativa.
Bolsonaro venceu a eleição e, de fato, modificou a legislação que busca apoiar financeiramente iniciativas artísticas e culturais no país.
E é também sobre o teor dessas mudanças que vamos falar ao longo deste artigo.
Não vamos opinar se a nova versão da Lei de Incentivo à Cultura (seu nome oficial) é melhor ou pior que a anterior, mas oferecer a você todas as informações para que possa formar o seu próprio juízo a respeito.
Então, não deixe de acompanhar até o final para conferir todos os seguintes tópicos:
Boa leitura!
A Lei Rouanet foi sancionada em 1991 pelo então presidente Fernando Collor de Mello.
O nome oficial é Lei Federal de Incentivo à Cultura (Nº 8.313/1991), mas, popularmente, levou o nome do secretário de Cultura à época, Sérgio Paulo Rouanet.
A lei, basicamente, oficializa o mecenato, algo que acontece há séculos nas artes, permitindo que pessoas físicas e jurídicas destinem parte dos recursos que iriam para o pagamento do Imposto de Renda ao financiamento de obras artísticas.
No caso das pessoas físicas, há um limite de 6% sobre o Imposto de Renda.
Já no caso das empresas, o limite é de 4%.
É do interesse dessas empresas e indivíduos que se originam boa parte dos fundos para financiar as artes e a cultura em geral em nosso país.
Ou seja, por mais que o projeto tenha que passar pelo crivo do Ministério da Cidadania (antigamente era o Ministério da Cultura), quem decide investir nele é a empresa ou o cidadão.
Desde 1993, estima-se que, com a ajuda da Lei, tenham sido injetados R$ 50 bilhões nesse meio, com mais de 27 mil projetos.
Mitos existentes sobre a Lei Rouanet (como aqueles que vamos abordar ainda neste artigo), têm origem no desconhecimento geral sobre as suas regras.
Por isso, é interessante abordar o funcionamento do processo de captação de recursos, cujos passos são os seguintes:
Primeiro, o artista inscreve a sua produção no sistema do Sistema de Apoio às Leis de Incentivo à Cultura (Salic).
Podem ser exposições, shows, livros, museus, galerias e várias outras formas de expressão cultural.
O responsável pelo projeto precisa explicar sobre o que se trata, a contrapartida que oferece para o público e apresentar seu plano, o qual, resumidamente, deve trazer a parte conceitual e a orçamentária.
Com a inscrição aprovada, tem início o processo de avaliação.
Ou seja, depois de verificar se a inscrição atende aos requisitos da lei, é analisado o mérito do pedido, para avaliar se ele faz jus ao financiamento.
O projeto será analisado por um parecerista, que deve ser um especialista da área referida e ele irá dar a sua aprovação ou indeferir o pedido.
Contudo, como o nome indica, este é um parecer e não a decisão final.
Quem bate o martelo, na verdade, é a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC), que conta com representantes dos grupos artísticos, empresariado, sociedade civil e Estado.
Em reunião, seus membros julgam o pedido como procedente ou não.
Depois de ter a inscrição e o projeto aprovados, o produtor cultural que deseja ter acesso a recursos da Lei Rouanet precisa encontrar parceiros interessados.
São também chamados de apoiadores.
Como já explicado, podem ser pessoas físicas ou jurídicas, que trocam valores devidos à Receita Federal no Imposto de Renda para financiar atividades artísticas.
Garantidos os parceiros (e, por consequência, os recursos para seu evento cultural), é aberto um prazo de 12 meses para que o projeto seja executado, de acordo com o seu planejamento.
Lembrando que é necessário que haja uma contrapartida ao público, como um percentual de ingressos com desconto ou sessões gratuitas.
Para concluir o processo, é preciso informar ao governo federal como e onde o dinheiro foi gasto.
Planilhas de custos e notas fiscais são alguns dos documentos utilizados na prestação de contas.
É imprescindível provar que o projeto foi realizado e que os recursos foram empregados nele.
Quando se fala em Brasil, um dos grandes orgulhos nacionais é a cultura.
Seja por nossa produção musical – independente de gostos, porque há para todos nas últimas décadas – temos as nossas obras audiovisuais, as festas populares e as mais variadas manifestações artísticas.
A cultura é um grande gerador de empregos, renda e conhecimento.
Além disso, no artigo 215 de nossa vigente Constituição está escrito que:
O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Nesse contexto, entra a Lei Rouanet. A importância dela é clara, assim como seu objetivo: fomentar a cultura no país.
Como exemplos, vale citar os museus e eventos diversos.
O Museu de Artes de São Paulo – MASP (campeão em captação em 2018), a Pinacoteca de São Paulo, a Festa Literária Internacional de Paraty e a Mostra Internacional de Cinema têm o apoio da legislação para sua própria existência e relevância.
Mas, em sua essência, a Lei Rouanet é importante por viabilizar o trabalho de pequenos produtores culturais – e isso fica mais claro a partir das mudança que ela sofreu, como veremos a seguir.
Trata-se de um instrumento perfeito? Evidente que não.
Há falhas, vícios e casos de mau uso, mas nem por isso, acabar com a Lei Rouanet se mostra o melhor caminho, não sem um substituto que possa financiar a cultura de forma inteligente e sem afetar os combalidos cofres públicos brasileiros.
Afinal, um país sem cultura não é um país desenvolvido.
A Lei Rouanet segue como o principal instrumento de viabilização cultural no país.
Mas ela sofreu alterações em abril de 2019, como já havia sido antecipado pelo presidente Jair Bolsonaro ainda em campanha.
E o que mudou, exatamente?
Para começar, os valores de financiamento foram reduzidos drasticamente.
Antes, o teto para um projeto captar recursos era de R$ 60 milhões. Agora, é de apenas R$ 1 milhão.
Anualmente, uma mesma empresa poderá captar com projetos diferentes até R$ 10 milhões – e não mais R$ 60 milhões, como era.
Entretanto há exceções importantes: projetos de museus e conservação, construção e implantação de equipamentos culturais não entram nesses limites.
Outra mudança está no acesso das pessoas à produção cultural.
Agora, 10% dos ingressos não podem custar mais de R$ 50. Antes, 20% das entradas tinham que ser vendidas por até R$ 75.
Também mudou o percentual de ingressos que devem ser distribuídos de forma gratuita a caráter social, educativo ou de formação artística: eram apenas 10% e, agora, devem ser de 20% a 40% da carga total.
A ideia de conceder incentivos fiscais para quem apoiar a cultura não é uma inovação brasileira, nem exclusividade nossa.
Nos Estados Unidos, existe esse tipo de política há muito tempo, porém mais focada em doações individuais e com diferenças no processo e na legislação relacionada.
Como explica a matéria do O Globo, o controle é descentralizado e cada estado tem sua regulamentação, muito diferente daqui, onde tudo passa por Brasília.
As contrapartidas e fiscalizações são maiores também.
Na Alemanha, a descentralização é similar, com o poder municipal assumindo a maior parte do investimento.
Já na França há um modelo muito parecido com o nosso. Inclusive, com uma lei levando o nome do então Ministro da Cultura, Jean-Jacques Aillagon (Lei Allaigon), de 2003.
A ideia é similar: dedução fiscal para quem apoiar a cultura, com limite de 0,5% do faturamento para empresas e 20% para pessoas físicas.
O orçamento da cultura na França é de 3 bilhões de euros (mais de R$ 13 bilhões).
Com três décadas de história, a Lei Rouanet já beneficiou uma série de projetos em todo o país.
Alguns deles, no entanto, entraram para o hall da fama pela porta dos fundos, ajudando a criar uma imagem negativa.
Vamos entender melhor?
O Museu da Imagem e do Som na cidade do Rio de Janeiro representa a maior captação de recursos pela Lei Rouanet da história.
São R$ 36,3 milhões para a construção, mais R$ 17 milhões para os conteúdos das exposições e R$ 16,7 milhões para a estrutura tecnológica das mostras.
O total de R$ 70 milhões não é corrigido pela inflação.
E a inflação importa, já que o início das construções é de 2010 e o prazo previsto de 2012 está sete anos atrasado.
O novo deadline é dezembro de 2020.
Um dos projetos mais polêmicos aprovados pelo Ministério da Cultura, o blog de poesia da cantora Maria Bethânia foi autorizado a captar R$ 1,35 milhão em 2011.
Entretanto, a notícia de financiamento do blog gerou grande repercussão e o projeto foi cancelado.
Adaptação do livro de mesmo título, o filme começou a ser produzido ainda na década de 90 e contou com captação de recursos via Lei Rouanet.
Data de lançamento: novembro de 2015.
Guilherme Fontes, diretor e produtor do filme sobre a vida de Assis Chateaubriand foi processado e condenado a pagar mais de 80 milhões de reais por não prestar contas sobre a obra de modo satisfatório.
O caso está na Justiça.
Como já antecipamos antes, muitos são os mitos e mesmo fake news em torno da Lei Rouanet.
Neste tópico, vamos esclarecer os principais e tirar suas dúvidas.
Acompanhe!
Não é verdade.
Como explicamos acima, a lei não tira dinheiro dos cofres públicos para dar a artistas.
Ela incentiva empresas a investir na cultura e, assim, “poupar” em impostos.
Esse dinheiro direcionado também cria empregos e faz a economia girar, além de fomentar a cultura, algo com grande importância.
Também é mito.
Por mais que a aprovação da captação seja atribuição do Ministério da Cidadania (antigamente, dependia do Ministério da Cultura), o projeto passa por um júri independente da área cultural e seu mérito não é questionado.
Novamente, incorreto.
Incentivos fiscais existem por toda a nossa economia.
A União, por meio de renúncias fiscais, “abre mão” de fundos para ajudar setores como serviços, indústria, saúde e agricultura.
A cultura representa apenas 0,66% desse valor de renúncia, com a Lei Rouanet sendo responsável por 0,48% do total geral.
Estamos falando de um percentual bastante baixo do PIB que vai para a cultura, portanto.
Quando Sergio Paulo Rouanet colocou no papel sua ideia de fomentar a cultura, ele com certeza não imaginava toda a repercussão que viria a surgir.
Seu plano, que envolvia ainda a criação do Fundo de Investimento Cultural e Artístico (não foi implementado), foi amplo.
É difícil argumentar que deu errado, pois permitiu o acesso de milhões de pessoas a obras culturais.
Também injetou R$ 1,2 bilhão na cultura por ano, em média, no período entre 2010 e 2018.
O número total passa de R$ 50 bilhões em valores corrigidos nas últimas décadas.
E o dinheiro é de empresas e pessoas físicas, que direcionam o valor de impostos diretamente para um setor de interesse de nossa sociedade e economia.
A Lei Rouanet ganhou má fama, é verdade, especialmente nos últimos anos. Infelizmente, ela não escapa aos problemas do país, como a corrupção. Mas sua importância é inegável.
Tanto que ela foi criada por um governo que se intitulava neoliberal (Collor de Melo), ganhou força na gestão Fernando Henrique Cardoso (com seu slogan “Cultura é um bom negócio”) e foi alavancada nos governos Lula e Dilma.
No fim das contas, a discussão sobre a Lei Rouanet esbarra na ideia de incentivos fiscais para aquecer e desenvolver a economia.
Oferecemos suficientes recursos? Abrimos mão de muito? As contrapartidas são justas? A sociedade ganha com isso?
Depois da leitura deste artigo, você tem mais elementos para opinar a respeito.
Se restou alguma dúvida, deixe seu comentário.
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