A discussão sobre as condições de mobilidade urbana é muito importante para aumentar a qualidade de vida nas cidades.
Pois as pessoas estão constantemente se locomovendo: para o trabalho, para fazer compras, para aproveitar atividades de lazer e para consultas médicas, por exemplo. E, desses locais, de volta para o seu lar.
Mesmo quem poderia ficar a maior parte do tempo em casa se desloca, porque o movimento está no DNA humano e a possibilidade de viver novas experiências é um dos baratos de estar em uma cidade.
Seja a pé, de bicicleta, de carro, de ônibus ou com qualquer outro meio de transporte, esse deslocamento tem tudo para ser prazeroso, mas também pode ser bastante estressante.
É aí que entra o que falamos antes: sem boas condições de mobilidade urbana, a experiência de viver na cidade é pior.
Neste artigo, vamos problematizar a mobilidade urbana no Brasil e no mundo para que você compreenda melhor a relação que essa área possui com nossa qualidade de vida.
Veja os tópicos que serão abordados a partir de agora:
Esse é um assunto do seu interesse? Então, siga a leitura!
Mobilidade urbana é a condição de deslocamento de um ponto a outro dentro de uma cidade.
Essa é a definição mais encontrada, mas também a mais simplista, reducionista e literal – pois “mobilidade” é a capacidade de se mover, e “urbana” é referente à cidade.
Atualmente, o termo mobilidade urbana também se refere a uma área do conhecimento e da gestão pública que leva em conta uma “necessidade a ser satisfeita”.
É para isso que chama a atenção Diego Hernández, especialista em transportes públicos e mobilidade urbana e professor da Universidade Católica do Uruguai, em vídeo produzido pelo Banco e Desenvolvimento da América Latina (CAF).
Segundo Hernández, a mobilidade urbana é um sistema que existe para satisfazer necessidades das pessoas nos deslocamentos.
Para que isso aconteça, o trabalho exige investimentos em infraestrutura, uma boa gestão de trânsito e segurança.
Além, é claro, da diversificação dos modais de transporte – rodoviário, aquaviário e ferroviário (subterrâneo ou de superfície) – e sua integração.
Por fim, vale a pena destacar que a mobilidade urbana não se limita ao tempo de deslocamento.
Ir de um local a outro de bicicleta, por exemplo, pode ser mais ágil do que de carro (pela capacidade de transpassar congestionamentos).
Sem uma ciclovia ou ciclofaixa e boa sinalização, no entanto, os ciclistas não se sentirão seguros para encarar o trajeto.
Na história da humanidade, as grandes cidades surgiram quando nossos antepassados passaram a modificar de forma significativa a natureza.
O objetivo era maximizar as possibilidades de suas novas práticas, desviando o curso de um rio ou criando canais para irrigar plantações ou abastecer rebanhos, por exemplo.
Deixando o nomadismo e com uma nova organização social, com maior concentração de pessoas, foi possível promover um intercâmbio de conhecimentos e bens nunca antes visto.
Até hoje, a troca de mercadorias ou experiências é o que torna uma cidade viva. Para que isso aconteça, as pessoas precisam se mover.
Com o avançar do século 20, os deslocamentos a pé ou com veículos de tração animal (carroças e carruagens) começaram a dar lugar ao automóvel.
Isso modificou profundamente a dinâmica de cidades do mundo inteiro.
Nos Estados Unidos, há um modelo de cidade muito difundido em que há um centro comercial e um subúrbio residencial.
Nele, as pessoas dependem excessivamente do carro particular para satisfazerem as suas necessidades.
No Brasil, embora com uma organização de cidade diferente, também se apostou demais no modelo rodoviarista, principalmente dos anos 1960 para cá.
Atualmente, a mobilidade urbana é uma disciplina de interesse de urbanistas, arquitetos, engenheiros e designers, mas também de gestores públicos e administradores, é claro.
O consenso geral entre profissionais que atuam nessa área é que deve haver maior diversidade nas opções de deslocamento, investimentos em transporte público e alternância entre imóveis comerciais e residenciais.
Ao redor do globo, as principais referências positivas em mobilidade urbana são as cidades europeias.
Na Ásia, em vários lugares há pesados investimentos em infraestrutura e transporte público, porém, ainda é comum que as pessoas morem longe do centro da cidade.
A Constituição Federal do Brasil diz que a segurança viária compreende determinadas atitudes que “assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana eficiente” (artigo 144, parágrafo 10, inciso I).
Essa função é atribuída a órgãos de trânsito.
O problema é que, no país, a noção de “trânsito” fica muito limitada às práticas de organização do tráfego de veículos automotores.
Os órgãos de trânsito se preocupam principalmente com a segurança de motoristas, passageiros, ciclistas e pedestres.
Essa é uma questão inegavelmente fundamental, porém a mobilidade urbana é mais que isso, conforme explicamos antes.
Com essa visão reducionista, o que acaba acontecendo é que, para o poder público, ações de mobilidade urbana se restringem a obras de infraestrutura rodoviária.
Os investimentos em transporte público, por outro lado, constantemente são desvinculados desse planejamento de infraestrutura.
O grande problema da mentalidade que acabamos de expor é a falta de entendimento de que todas essas questões precisam estar vinculadas, dentro de um planejamento mais amplo.
A mobilidade urbana é infraestrutura, é transporte público e mais. Só que tudo isso precisa ser pensado em conjunto.
Uma lei federal aprovada em 2012 tem o objetivo de corrigir esse problema: a Lei Nº 12.587, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana.
Isso porque ela determinou que todos os municípios do país com mais de 20 mil habitantes precisavam elaborar um Plano de Mobilidade Urbana e compatibilizá-lo com o plano diretor municipal até seis anos da entrada em vigor da lei.
De acordo com o artigo 24, o plano precisa contemplar:
O prazo final para a elaboração do plano era de três anos após a promulgação da lei, ou seja, em 2015. Uma lei publicada em 2018, porém, alterou esse prazo para 2019.
Os municípios que desrespeitarem a determinação ficam impedidos de receber recursos orçamentários federais destinados à mobilidade urbana.
Como você pôde perceber até aqui, a mobilidade urbana é uma área complexa, que envolve várias questões.
E, para que as condições de deslocamento realmente satisfaçam as necessidades da população, as políticas públicas precisam ser sistêmicas.
Essa combinação de fatores pode dar a impressão de que pensar e executar boas práticas de mobilidade urbana é complicado.
Na verdade, nem tanto assim. Há muitas medidas que podem ser colocadas em prática sem grandes investimentos – basta ter empatia e posicionar o interesse da população em primeiro lugar.
Mesmo assim, no Brasil e no mundo, há uma série de desafios para melhorar a locomoção dentro das cidades.
Como já problematizamos aqui, o Brasil é um país que privilegia, há décadas, o investimento em vias para o tráfego de veículos automotores.
Enquanto o transporte coletivo é ineficiente na maior parte das cidades do país, obras de duplicação de rodovias e avenidas e construção de viadutos para carros são extremamente comuns.
Apesar de todo esse investimento, o trânsito parece não melhorar e os engarrafamentos ainda são frequentes.
Em boa parte, isso se deve à demanda induzida, um conceito segundo o qual o maior espaço para o tráfego dos automóveis gera mais gente saindo com seus veículos.
Vale lembrar que, no início do século, o governo brasileiro incentivou a venda de automóveis com a isenção de impostos, o que fez a frota do país disparar.
Enquanto isso – e até hoje -, empreendimentos do programa de financiamento habitacional popular Minha Casa Minha Vida eram lançados nas periferias, muitas vezes sem comércio, escolas, hospitais e outros serviços próximos – e distantes dos locais de trabalho dos moradores.
Esse cenário aproxima o Brasil do modelo americano de dependência exagerada do automóvel – com a desvantagem de possuir uma estrutura viária urbana e rodoviária bem inferior.
Tudo isso resulta em menos gente caminhando pelas calçadas. Pouco ocupados por gente, os espaços públicos ficam menos seguros, o que atrai ainda menos pessoas.
Os problemas de mobilidade urbana no Brasil, portanto, não são poucos, e o grande desafio é pensar em um projeto de cidade, que seja mais sustentável e que favoreça deslocamentos mais inteligentes e prazerosos.
A população mundial deve seguir crescendo por vários anos, e a tendência é que a concentração das pessoas nas grandes cidades só aumente.
Por isso, mesmo as cidades com as melhores condições de mobilidade urbana do mundo precisam planejar um futuro em que seus limites vão se expandir.
Além disso, em muitas localidades, ocorre a gentrificação: quando o interesse de determinados grupos por morar em um bairro ou uma cidade aumenta significativamente, fazendo os preços dispararem.
A consequência da gentrificação é que moradores tradicionais são obrigados a procurar outros lugares para morar, mais afastados e distantes de seus locais de trabalho, o que resulta em uma distância maior a ser percorrida diariamente.
Por fim, há ainda o problema da sustentabilidade. Cada vez mais, é necessário pensar em meios de transporte com baixa pegada ecológica – seja qual for o modal.
De acordo com artigo publicado pela McKinsey & Company, líder mundial no mercado de consultoria empresarial, até 2030, 60% da população mundial viverá nas cidades – hoje, esse percentual é de 50%.
Nesse mesmo período, mais de dois bilhões de pessoas vão ascender à classe média, principalmente em cidades de países emergentes, com destaque para a China.
A partir disso, espera-se que as vendas de automóveis disparem – se em 2010 foram 70 milhões por ano, em 2025, a expectativa é que o número salte para 125 milhões.
A infraestrutura urbana atual não está preparada para suportar essa nova realidade. Até porque, em muitas cidades, ela já não suporta a quantidade atual de veículos.
Os congestionamentos podem custar de 2% a 4% do PIB nacional, considerando o tempo perdido, o combustível desperdiçado e o impacto nos negócios.
Para a McKinsey, a solução passa por softwares que otimizam o tráfego, veículos elétricos, compartilhamento de carros, veículos autônomos, melhorias no transporte público e, claro, incentivo aos pedestres e ciclistas.
A boa notícia é que, para melhorar a mobilidade urbana em uma cidade, não é necessário reinventar a roda.
Em várias cidades do mundo e até mesmo do Brasil foram criadas, testadas e aplicadas com sucesso soluções inovadoras e sustentáveis de mobilidade urbana, criadas pelo poder público ou pela iniciativa privada.
A seguir, apresentamos alguns exemplos.
Trens de uma linha férrea de Stuttgart, na Alemanha, foram equipados com um vagão externo muito interessante: ele serve para estacionar as bicicletas dos passageiros.
Assim, as pessoas podem chegar na estação pedalando e sair dela para ir até o destino final do mesmo jeito.
Em Pequim, na China, foram instalados pontos em estações do metrô que permitem trocar garrafas PET por passagens. Essa ideia estimula duas ações sustentáveis: o uso do transporte coletivo e a reciclagem.
Algumas cidades contam com estações e veículos modernos e linhas de transporte eficientes, mas que não têm capilaridade suficiente para chegar a todos os lares.
A cidade australiana de Brisbane resolveu de maneira muito simples esse problema: o sistema Park and Ride, com grandes estacionamentos gratuitos em várias estações de transporte público. Assim, a população faz apenas uma pequena parte do trajeto de carro.
Um dos problemas do deslocamento rodoviário é que ele acontece apenas em duas dimensões e, por isso, é limitado.
Em Medellín, na Colômbia, um sistema de transporte público por teleféricos adicionou uma nova dimensão e resolveu o problema de mobilidade da população que vive nos morros.
Essa é uma moda que já pegou em inúmeras cidades brasileiras: os aplicativos de compartilhamento de bicicletas.
Bike Itaú, CicloSampa, Yellow e Loop são alguns exemplos que tem aumentado consideravelmente o número de ciclistas nas cidades brasileiras.
Se você chegou até aqui sem pular nenhum trecho do texto, certamente percebeu que o mundo da mobilidade urbana é muito diverso e repleto de desafios.
Uma das principais discussões que ocorrem a nível mundial em termos nessa área é quanto ao compartilhamento de dados e colaboração entre as cidades.
Em todo o planeta, o mais comum é o governo municipal ficar encarregado de pensar e executar a política de mobilidade urbana.
Acontece que as cidades estão em expansão e, muitas vezes, elas praticamente se fundem.
Quando isso acontece, é preciso resolver o problema da mobilidade entre uma cidade e outra.
Pense em quem mora em Guarulhos e trabalha em São Paulo. O mesmo acontece com Niterói/Rio, Canoas/Porto Alegre e assim por diante.
Outra discussão comum no mundo todo é quanto à regulamentação de apps de mobilidade – como o Carsharing ou serviços como o Uber.
Criados por empresas de matrizes tecnológicas com modelos de negócio baseados em plataformas, esses serviços não obedecem às lógicas tradicionais.
O problema é que o setor público tem sido ineficiente em entender essa a realidade e também em incentivar esse tipo de alternativa.
O tempo e as condições em que ocorre o deslocamento das pessoas dentro de uma cidade impactam muito na sua qualidade de vida.
Apesar de o número de empresas que adotam o modelo de home office estar crescendo, a dinâmica dos grandes centros urbanos sempre vai estar intimamente ligada ao movimento.
É por isso que o investimento em melhores práticas de mobilidade urbana tem que subir na lista de prioridades do poder público.
Na realidade, não apenas do poder público, mas da população em geral, pois essa é uma questão de interesse de todos: motoristas, passageiros do transporte coletivo, pedestres, ciclistas e mais.
Quem nunca sofreu com um longo congestionamento ou se viu consumido de raiva por conta do atraso de um ônibus?
Além do governo e da população em geral, os empreendedores têm um terreno fértil a ser explorado.
Afinal, se as necessidades das pessoas não são supridas em determinado segmento, isso quer dizer que há ótimas oportunidades de negócio ali.
O Uber, uma das startups mais valiosas do mundo, é a grande prova disso. Nos próximos anos, a tendência é que outros aplicativos de transporte ganhem destaque mundial.
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