Justiça social é um conceito que se explica por si só.
De um lado, temos a justiça, a qualidade ou caráter do que é justo.
De outro, o social, que é relativo às pessoas e à sociedade.
A justiça social, portanto, trata de garantir o acesso aos direitos, previstos em lei, corrigindo qualquer desigualdade, ilegalidade ou desrespeito.
Neste artigo, vamos avançar no entendimento sobre o conceito, mas também explicar seu funcionamento, princípios e importância.
Se o assunto interessa, acompanhe até o final ou navegue pelos seguintes tópicos:
Boa leitura!
Justiça social é uma construção moral e política que representa uma maneira de amenizar e erradicar os efeitos das desigualdades sociais.
Antes mesmo de aprofundar o conceito de justiça social, é preciso dar alguns passos atrás e entender, assim, o que constituem as diferenças sociais.
Os seres humanos estão imersos na organização social. Esta, por sua vez, é composta por padrões sociais que surgem da interação entre as pessoas.
Isso quer dizer que uma organização social é formada pelos comportamentos humanos. E, sobretudo, das atitudes que constituem o relacionamento entre os indivíduos.
As organizações sociais podem ser:
Nesse sentido, a sociedade é a forma mais ampla, que abrange as diversas comunidades, organizações formais, grupos e díades sociais.
De acordo com o sociólogo Joel M. Charon, Ph.D. e professor emérito de Sociologia na Minnesota State University, as sociedades:
“(…) são compostas de estruturas políticas, econômicas, familiares, religiosas e militares, cada qual necessária para a sobrevivência e desenvolvida para atender ao complexo e diversificado conjunto de circunstâncias com que se defronta.”
Ainda segundo Charon, “a sociedade precede a todos nós“.
Em outras palavras, estamos inseridos na sociedade e, dessa forma, somos sujeitos à sua formatação pré-existente.
Sendo a sociedade uma organização social, logo, é composta pelos padrões sociais. São eles: estrutura social, cultura e instituições.
Vamos nos ater à estrutura social. Ela é a maneira como as organizações sociais se dispõem.
Por meio das recorrentes interações entre as pessoas, novos padrões vão surgindo. E, com eles, uma estrutura social é construída, na qual todos têm suas posições determinadas.
Por causa delas, os indivíduos exercem algum tipo de poder, desempenham papéis e têm ou não privilégios. É exatamente nesse ponto que surgem as desigualdades sociais.
As desigualdades sociais existem em decorrência da diferença que há na posição das pessoas na estrutura social.
Nela, certos indivíduos estão em posições mais elevadas. Por isso, exercem mais poder, desempenhando papéis de maior importância e recebendo mais prestígio por causa disso.
Outras, no entanto, estão em posições baixas. Assim, têm pouco ou nenhum poder.
Esse espaço na estrutura social entre os níveis é a desigualdade social.
Dessa forma, três fatores inerentes às posições sociais causam a desigualdade: poder, prestígio e privilégio.
Nas sociedades, aqueles que são subjugados almejam, em sua maioria, ascender para as posições mais altas – a mobilidade social.
Evidentemente, quem está nos lugares mais disputados da estrutura social não quer abrir mão dessa localização.
Existe, portanto, o que os especialistas chamam de estratificação social. De acordo com esta tese, as estruturas sociais são relativamente fixas.
Assim, classe social, sexo e raça mantêm as pessoas em suas posições com pouca ou nenhuma possibilidade de mudar na estrutura em decorrência dessas características.
É aí, então, que entra a justiça social.
Ela surge para minimizar os efeitos dessa desigualdade.
Para isso, leva meios de ascensão e melhoria de condições aos menos favorecidos na estrutura social.
O escritor Ubiratan Borges de Macedo descreve a cronologia do conceito de justiça social.
Segundo ele, o termo “justiça social” foi visto, pela primeira vez, em Declínio e Queda do Império Romano – livro de 1776, por Edward Gibbon.
Ele a mencionou no sentido de aplicação das normas de conduta justa na sociedade.
William Godwin, em Enquiry Concerning Political Justice, fala sobre justiça social sob o nome de justiça política, em 1793.
No século seguinte, o filósofo jesuíta Luigi Taparelli D’Azeglio sagrou-se como o primeiro a fazer menção ao termo nos moldes atuais, em Saggio Teoretico de Diritto Natural.
Em 1840, Taparelli considerava que a justiça social é construída por meio da igualdade de direitos de todas as pessoas, porém, como seres feitos pela natureza divina.
O sacerdote, político e educador Antonio Rosmini, em A constituição segundo a justiça social, de 1848, difunde o termo – que passa a ser associado à doutrina social católica.
Ainda em meados do século XIX, o liberal John Stuart Mill, em Utilitarismo, adere à ideia de justiça social e distributiva.
Para Stuart, é dever da sociedade tratar a todos igualitariamente, considerando, para isso, aqueles que têm méritos iguais.
A justiça social é um princípio fundamental de coexistência pacífica e próspera entre as nações.
Favorecemos a justiça social quando eliminamos as barreiras que as pessoas enfrentam, por motivos de gênero ou relacionados com a idade, raça, origem étnica, religião, cultura ou deficiência.
Com essas palavras, Ban Ki-moon, 8º Secretário-Geral das Nações Unidas, deu início ao discurso da primeira comemoração do Dia Mundial da Justiça Social – celebrado em 20 de fevereiro.
Se a justiça social promove o convívio pacífico entre diferentes indivíduos que compõem uma mesma sociedade, então, ela participa da promoção da paz entre as nações.
Ao favorecer que grupos subjugados tenham tratamento favorável, defende-se os princípios da justiça e, assim, promove-se a prosperidade no relacionamento entre os povos.
Ainda de acordo com Ki-moon:
Para assegurar a estabilidade e a prosperidade mundiais, temos que garantir a todos um nível de vida aceitável e a igualdade de oportunidades.
John Rawls foi um professor e filósofo que definiu os princípios da justiça social em seu livro “Uma Teoria da Justiça” (A Theory of Justice), de 1971.
Para ele, uma sociedade será justa se respeitar três princípios:
Vamos falar sobre cada um deles agora.
De acordo com Rawls, todos devem ter suas liberdades fundamentais garantidas.
Nesse sentido:
Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que sejam compatíveis com um sistema de liberdade para as outras.
Desse modo, uma sociedade justa precisa criar um sistema que permita as liberdades individuais.
Porém, elas devem estar dentro de uma esfera ainda maior, que possibilite “várias liberdades”.
Ainda segundo o filósofo, uma sociedade justa deve oferecer oportunidades iguais somente se isto conceber alguma vantagem para o todo.
Quando, porém, a desigualdade impacta negativamente o indivíduo em desvantagem na estrutura social, deve-se agir em seu benefício.
As desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo:
a) consideradas como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável (princípio da diferença), e
b) vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos (princípio da igualdade de oportunidades).
Com este trecho de “Uma Teoria da Justiça”, podemos entender que a justiça social leva em consideração as desigualdades existentes.
Porém, só faz isso com vistas a manter aquelas que signifiquem vantagens.
Em caso contrário, devem ser aplicadas medidas que minimizem as desvantagens causadas pela desigualdade social.
É notório que o Brasil é um país de extremos.
Para amenizar as desigualdades sociais, é necessário atuar em todas as frentes da estrutura social existentes.
Vamos falar sobre elas.
O Brasil é o país com maior desigualdade de renda do mundo. Por aqui, 27,8% da riqueza nacional está concentrada em apenas 1% da população.
Para agravar a situação, a série histórica, que mensura a diferença entre os pobres e ricos, atingiu seu auge no início de 2019.
De acordo com estudo promovido pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, o índice de Gini – que monitora a desigualdade de renda – chegou a 0,6257, em uma escala que vai de 0 a 1.
Após a recente crise financeira, os mais ricos tiveram aumento de 3,3% da renda acumulada.
Enquanto isso, os mais pobres, apresentaram queda de mais de 20%.
Exemplo de ações: o Bolsa-Família, programa de transferência de renda para famílias mais pobres, pode ser considerado uma ação de justiça social para amenizar os efeitos da desigualdade econômica.
No Brasil, as mulheres, mesmo com mais tempo de estudo, ainda ganham menos do que os homens, exercendo a mesma função.
Além disso, a brasileira trabalha quase duas vezes mais do que eles em atividades domésticas, segundo pesquisa.
Como se não bastasse, uma em cada quatro mulheres passou por violência no País, em dados que resultam em mais de 500 brasileiras sendo agredidas a cada hora.
Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública:
A desigualdade de gênero é a raiz de todos os problemas da violência contra a mulher, não conseguimos mudar esse cenário sem discutir de fato esse problema histórico.
Para ela, basta “existir como mulher no Brasil” para sofrer violência: “É no ônibus, no trem, em casa”.
Ainda diante deste cenário, o Brasil figura como um dos países latinos que têm a menor representatividade feminina na política.
Em 2019, apenas 15% dos cargos do Congresso são ocupados por mulheres.
Exemplo de ações: as cotas para que 30% dos candidatos políticos sejam mulheres é um exemplo de justiça social que combate a desigualdade de gênero.
A desigualdade racial é um fato histórico que divide o País, essencialmente, entre brancos e não-brancos.
O Brasil foi a última nação ocidental a abolir a escravidão em todo o mundo.
O período escravocrata, que dizimou povos indígenas nativos e trouxe diversas nacionalidades do continente africano como escravos, criou um abismo entre brancos, negros e indígenas.
Dessa forma, as gerações desses indivíduos escravizados sofrem, até os dias de hoje, com as consequências dos crimes.
A Revista Super Interessante compilou diversos estudos em um vídeo sobre as desigualdades raciais no Brasil.
Dentre os dados, comprova-se que, apesar de negros serem mais da metade da população brasileira, eles:
Em 2016, a cada 12 minutos, um negro foi assassinado no Brasil.
Além disso, em operações policiais, sete de cada 10 mortos eram negros.
Exemplo de ações: as cotas raciais para entrada no Ensino Superior seguem como uma maneira de aplicar a justiça social aos negros brasileiros.
A Constituição Brasileira de 1988 faz menção à justiça social.
O Título VII, da Ordem Econômica e Financeira, no Capítulo dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, assim dispõe:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I – soberania nacional;
II – propriedade privada;
III – função social da propriedade;
IV – livre concorrência;
V – defesa do consumidor;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;
VII – redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII – busca do pleno emprego;
IX – tratamento favorecido para as empresas brasileiras de capital nacional de pequeno porte.
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Nesse sentido, a justiça social faz parte das garantias constitucionais a todo brasileiro.
Se o objetivo da justiça social é minimizar os efeitos da desigualdade social, para obtê-la, é necessário atuar sobre a raiz dos problemas da sociedade.
Enquanto as diferenças entre classes, gênero e raças ainda resultarem em desvantagens para os menos favorecidos, deve-se implementar ações que promovam a justiça.
Nesse sentido, há outra contribuição de Charon que merece ser destacada:
Muitas pessoas acreditam que há oportunidade para todos – que todos têm uma chance aproximadamente igual de ser bem-sucedidos. É difícil para nós perceber que a desigualdade está embutida na própria natureza da sociedade, que somos todos, na verdade, parte de estruturas sociais que tolhem a igualdade de oportunidades. A maioria de nós passa boa parte da vida tentando ter sucesso em uma sociedade que, em nossa percepção, é aberta. Entretanto, sempre tivemos desigualdade na sociedade.
Se faz justiça entre os desiguais proporcionando a igualdade de oportunidades.
Quando alguns estão metros à frente da largada, não há como ser uma corrida justa.
Para isso, deve-se trazer todos para o mesmo ponto, ainda que alguns tenham que dar alguns passos para trás e, outros, vários adiante.
É nesse sentido que políticas de compensação, como as cotas nas universidades, são tão importantes.
Enquanto as péssimas condições históricas estagnaram os negros e seus descendentes em posições de pouco ou nenhum poder, prestígio e privilégio, as cotas são um meio de proporcionar mobilidade social por meio da educação superior.
Charon ainda reforça que a estratificação social é semelhante às camadas de rocha: imutáveis.
Porém, lembra que “acontecem terremotos às vezes (relativamente raros, porém, fortíssimos) e os alicerces são abalados.”
Claro que a questão da justiça social pode ser vista por diversos prismas. E enquanto alguns argumentam que são necessárias ações específicas, outros argumentam que o funcionamento correto de instituições corrigirá desvios.
Friedrich August von Hayek, economista e filósofo austríaco e um dos maiores representantes da Escola Austríaca de pensamento econômico, era um crítico à ideia de justiça social.
Para ele, justiça social é uma miragem, algo inatingível, e a busca por esse ideal destruirá o único “clima em que os valores morais tradicionais podem florescer, ou seja, a liberdade individual”.
Antes de concluir este artigo, cabe esclarecer um ponto importante.
É natural que haja confusão entre a justiça tradicional a qual estamos acostumados e a social.
Apesar de a primeira ser composta por leis e regras que buscam a justiça, por vezes, elas podem não alcançar seu objetivo e se tornarem “injustas” com os menos favorecidos.
É o caso, por exemplo, das leis que protegiam os maridos que assassinavam suas esposas em “defesa da honra”.
Muitos tinham suas penas abrandadas ou nem sequer eram condenados pelo feminicídio.
Assim, mesmo que estivesse em acordo com a justiça civil, não era justo socialmente com as mulheres.
Portanto, a justiça civil tem a social como um de seus princípios.
Porém, na prática, ela nem sempre proporciona o fim das desigualdades sociais.
Enquanto as desigualdades entre classes, sexos e raças causarem a exclusão social de grupos em favorecimento de outros, é preciso implantar ações de justiça social.
Ela se faz extremamente necessária em todo o mundo e, especialmente, em um país desigual, como o Brasil.
Assim, é um ideal a ser perseguido.
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