por Jacques Marcovitch, Claudio Machado Filho e Gleriani Ferreira
O Brasil ratificou o Acordo de Paris e estabeleceu na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (CND) restaurar e reflorestar doze milhões de hectares de florestas até 2030, para múltiplos usos.
Em 2016, o país aderiu ao “Desafio de Bonn”, comprometendo-se a reflorestar, restaurar florestas e promover a regeneração de doze milhões de hectares de áreas de florestas até 2030.
No dia 07 de novembro de 2019, na FEA/USP, tendo por moderadores os professores Jacques Marcovitch e Cláudio Machado Filho, reuniram-se os pesquisadores Ana Maria Nusdeo (Faculdade de Direito da USP – FD/USP), Jean Ometto (Centro de Ciências do Sistema da Terra – CCST / INPE), José Goldemberg (IEE/USP), José Roberto Kassai (FEA/USP), Ludmila Pugliese (Laboratório de Silvicultura Tropical – Esalq/USP), Luiz Cornacchione (Associação Brasileira de Agronegócios – ABAG) e Paulo Artaxo (Instituto de Física da USP – IF/USP).
Na ocasião foram debatidas as seguintes questões:
O primeiro ponto a ser ressaltado é a necessidade de o Brasil honrar a contribuição nacionalmente determinada no Acordo de Paris em 2015 e sua ratificação pelo Congresso Nacional em 2016.
Sim, ao descartarmos a possibilidade de não-cumprimento das metas assumidas até 2030 devem ser encontrados os caminhos, seja com uso de mecanismos já instaurados no país, seja com a criação de novas alternativas.
Ao partir desse ponto, passamos a corresponder aos valores da nova geração de consumidores que, segundo Luiz Cornacchione, Diretor Executivo da Associação Brasileira de Agronegócios (ABAG), está atenta e preocupada com as questões ambientais.
A Coalizão, instituição que também representa, acaba de lançar a campanha “Seja Legal com a Amazônia” para combater o desmatamento, principalmente em terras públicas e para reduzir as emissões de CO2.
Além disso, já tinha sido lançado o documento Visão 2030-2050 – O Futuro das Florestas e da Agricultura no Brasil resultantes de constantes diálogos entre o setor empresarial, ONGs, universidades, instituições de pesquisa, dentre outros.
Como medir as contribuições do setor empresarial? Nas palavras do professor José Roberto Kassai, da FEA/USP, o mercado de capitais deve ser engajado para que as empresas de capital aberto, listadas na Bolsa de Valores, sejam instadas a declarar sua contribuição líquida relativa à cobertura vegetal com espécies nativas e exóticas.
Em complemento, foi observado que o bônus, ou remuneração variável dos diretores, é focada somente em resultados financeiros. Poucas empresas têm parte da remuneração variável atrelada a metas ambientais.
Para corresponder às expectativas das novas gerações de consumidores, a sustentabilidade ambiental reflete-se em métricas relativas a eficiência energética, uso de água, gestão de dejetos e cobertura vegetal entre outras.
Trata-se da base quantitativa para determinar a remuneração variável dos dirigentes nas empresas, observou Jacques Marcovitch. José Goldemberg manifestou sua indignação pela eliminação do Zoneamento Ecológico Econômico pelo atual governo.
Uma medida que, além da repercussão internacional negativa, torna necessário um EIA/RIMA – Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental para cada empreendimento.
Em complemento, reiterou sua preocupação com a área de energia, na qual os combustíveis fósseis representam a maior parte das emissões de gases de efeito estufa no Brasil.
Contribuir para o cumprimento das metas da CND Brasil 2030 é uma forma de valorizar o que já foi alcançado pelo Brasil num passado recente, quando o desmatamento registrou queda de 70% em suas taxas, na comparação entre os dados de 2013 e a média entre 1996 e 2005.
Pouco tempo passou, quando a posse do atual governo em 2019 levou ao desmonte de competências e unidades dedicadas às mudanças do clima e suas causas.
De acordo com Paulo Artaxo, do Instituto de Física/USP, esta é uma questão-cerne e alerta que a unidade “clima” foi desativada no Ministério do Meio Ambiente. No Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações sobraram apenas três pessoas e o mesmo ocorre no Ministério das Relações Exteriores.
O INPE, por sua vez, possui equipamentos de mapeamento de primeira linha que distribuem dados com imagens da floresta. Jean Ometto, do Centro de Ciências do Sistema da Terra (CCST / INPE), ressalta que ir contra as ferramentas e resultados apontados pelo INPE é negar os retratos oferecidos pela tecnologia.
O INPE distribui com regularidade uma fotografia da realidade. Até agosto 2019, num verão de altas temperaturas, foram queimados 5,9 milhões de hectares da Amazônia, sendo 1,9 milhões de hectares no Brasil e 4 milhões na Bolívia. Isto representa 88% a mais do que em 2018.
O que disso é limpeza de pasto com fogo? O que é ilegal? Isso deveria ser classificado nas imagens. A Coalizão e outras iniciativas devem contribuir para melhorar esta classificação para evitar generalizações. Jean Ometto conclui: “Precisamos de um esforço de governança para ir além da simples identificação de queimadas”.
O monitoramento da Amazônia pode contribuir para alcançar as metas da CND/Brasil 2030 no aspecto de apontar intervenções, por exemplo, mostrando áreas que tiveram ações de desmatamento e se transformaram em área de pastagem.
No entanto, as fotos devem ser analisadas na sequência do tempo e devidamente classificadas para que se entenda as transformações provocadas com o desmatamento e outras intervenções no uso da terra.
Num exercício de previsão do futuro, se desmatarmos 50% da Amazônia – hoje estamos em 19% -, teremos o equivalente a quinze anos de toda a queima de combustível fóssil.
Os impactos na temperatura global corresponderiam a um aumento adicional de 2,5 graus. Assumindo que todas as partes cumpram o Acordo de Paris, teremos um aumento na temperatura média estimada de 3,3 graus. Então, 3,3 graus mais 2,5 graus resultam num total de 5,8 graus de aumento médio na temperatura.
Em áreas continentais esse aumento é cerca de um grau maior do que a média global. Então, observa Paulo Artaxo, estamos projetando um aumento estimado de temperatura da ordem de 6 graus. Outro impacto importante será na precipitação das chuvas, com drástica redução na escala global.
O Brasil central terá uma redução das chuvas da ordem de 30 a 40%. Ou seja, a agricultura que contribuiu para o desmatamento, passará a sofrer as tragédias das suas consequências.
Com referência às consequências sociais, o relato de Fabíola Delgado, pesquisadora UFMS/Campus do Pantanal em Corumbá/MS, mostra que as queimadas ocorridas em sua cidade, na última quinzena de outubro de 2019, destruíram a infraestrutura de fibra ótica deixando a cidade sem comunicação.
Ludmila Pugliese, do Laboratório de Silvicultura Tropical (Esalq/USP), informou que o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, da qual é coordenadora, tem arcabouço teórico e técnico que são ferramentas que mostram como fazer a restauração, monitorar os dados e medir os resultados.
De tal modo que existe um banco de dados para uma visão comum compartilhada. Torna-se possível identificar onde é melhor restaurar, com custos mais baixos como consta do Relatório sobre Restauração de Paisagens e Ecossistemas e no YouTube.
Restauração, reflorestamento e regeneração natural são técnicas distintas a considerar, pois todas trazem resultado favorável. A regeneração natural é uma recobertura espontânea que tem menor custo do que a restauração que é a fixação de mudas na terra.
Outra possibilidade é atuar na semeadura direta para baratear o custo da restauração, que é uma técnica recente, de aproximadamente trinta anos, que está em amplo processo de melhoria com novos estudos e testes. É assim, com experimentos e adequações da melhor técnica para cada contexto, diz Pugliese, que estamos caminhando para o seu barateamento.
O novo relatório do Scientific Expert Group on Climate Change (SEG), observou Paulo Artaxo, mostra que, no Brasil, a agricultura representa 60% das emissões nacionais.
No cenário global, as emissões da agricultura também representam um ponto absolutamente “chave” porque é responsável por 30% das emissões globais e temos que chegar a emissões líquidas zero em 2050, com cerca de dez bilhões de pessoas para alimentar.
No entanto, o desmatamento representa 13% das emissões globais de CO2, sendo que os outros 87% são provenientes da queima de combustíveis fósseis.
A receita do IPCC é plantar floresta tropicais. Nesta perspectiva, temos três países responsáveis por 80% dessas emissões de desmatamento. O Brasil (de longe o mais importante), seguido por Indonésia e Congo.
Assim, se conseguirmos estruturar políticas públicas nestes países, conseguiremos reduzir esses 13% de emissões de gases de efeito estufa. Isso é rápido e barato. Não há nenhuma outra maneira mais barata.
No entanto, ainda resta saber se isso será viabilizado pelos países tropicais. Poderemos plantar florestas nos países tropicais enquanto os países desenvolvidos continuam queimando combustíveis fósseis?
Ainda que a resposta seja positiva, como esperar que esses três países façam isso sozinhos? Então, a pergunta é: como estruturar um sistema de governança global para reduzir esses 13%? Falta-nos uma governança nacional e uma governança global, tema que na opinião de Artaxo é o maior problema.
Sem um sistema de governança global, não será possível debater o Pós-Paris a partir de 2020, inclusive, porque o cenário internacional não está favorável para a implementação de um sistema global para ajudar a resolver a questão das mudanças climáticas.
Ainda sobre o Acordo de Paris, observou Artaxo que não adianta ter um acordo assinado, sem cláusulas vinculantes, ou seja, se um país não cumpre o acordo, nada acontece.
Ana Maria Nusdeo, professora da Faculdade de Direito da USP (FD/USP), diz que a análise do Acordo de Paris desdobra-se em duas dimensões: a dimensão internacional e a dimensão interna do Direito brasileiro.
No âmbito internacional, acordos como a Declaração da Rio +20, são considerados soft law porque o seu conteúdo são declarações que incluem tão somente diretrizes. O Acordo de Paris é diferente, contém deveres assumidos pelos países e, por isso, é vinculante.
Contém normas que impõem deveres e outras que descrevem somente condutas a que os países são encorajados. Foi uma saída para, no caso dos Estados Unidos, dispensar a aprovação do Senado.
O Acordo de Paris não menciona que os países precisam cumprir a sua CND, mas se vale do termo should (ou deverá, em português) e que descreve uma obrigação, para destacar que as partes devem buscar medidas domésticas de mitigação, visando alcançar os objetivos e metas de tais contribuições.
Então, não existe a obrigação de atingir, mas existe a obrigação de buscar, de se envidar esforços para implementar. Assim, a postura de algum governante que venha a revelar indisposição em assumir o Acordo caracteriza uma violação desse dever. Juridicamente isso é importante porque existe uma vinculação, um dever e um risco de rompimento.
O Acordo de Paris não tem um mecanismo sancionatório (como tinha o Protocolo de Quioto) e se baseou num mecanismo de transparência e de compliance que busca trazer à mesa de debate aquele país que esteja descumprindo o Acordo.
O Direito Internacional, por outro lado, prevê mecanismos que são remotos, longos e também carecem de algumas sanções. Na dimensão interna, no Direito Brasileiro a tese jurídica mais conservadora diria que o Acordo de Paris tem força de lei no Brasil.
Nesse sentido, a omissão da implementação pode ser caracterizada pelo esvaziamento de ministérios, corte orçamentário e algumas declarações da Presidência e do MMA.
Por outro lado, cabe registro que o Ministério da Agricultura do mesmo governo passou a se dotar de uma área dedicada à sustentabilidade ambiental que inclui o Plano de Agricultura de Baixo Carbono (ABC).
O Brasil deve honrar a sua Contribuição Nacionalmente Determinada (CND) que integra o Acordo de Paris em 2015 e ratificada pelo Congresso Nacional em 2016. Revelar indisposição em implementar o Acordo caracteriza uma violação desse dever. O Acordo de Paris baseia-se em mecanismos de transparência e de compliance que buscam trazer à mesa de debate aquele país que esteja descumprindo o Acordo.
Lideranças do setor empresarial declaram-se engajadas no combate do desmatamento, principalmente em terras públicas, na ampliação da cobertura vegetal e na redução das emissões de CO2.
Para que estas declarações gerem impactos mensuráveis, além das iniciativas em curso que incluem coalizões e compromissos, parte da remuneração variável dos dirigentes, focada exclusivamente em resultados financeiros, deveria incluir metas socioambientais.
O governo federal, nos seus vários órgãos, deve se dotar de competências e unidades dedicadas às políticas de mudanças do clima e suas causas, para implementar e monitorar políticas públicas relativas à sustentabilidade ambiental como está ocorrendo no âmbito do Ministério da Agricultura.
Cabe ao INPE adquirir competências para a análise de imagens na sequência do tempo e devidamente classificadas para compreender as transformações provocadas com o desmatamento e outras intervenções no uso da terra.
Cabe à Academia contribuir na elaboração de propostas para cumprir as metas de restauração da cobertura vegetal.
Cabe também à academia participar dos processos de mediação para que a visão de diferentes atores e organizações possa ser contemplada, de forma a dar legitimidade ao processo coletivo de construção de sistemas de implantação e monitoramento.
O custo da inação poderá causar no Brasil central uma redução das chuvas da ordem de 30 a 40%. Ou seja, a agricultura que contribuiu para o desmatamento, passará a sofrer as tragédias das suas consequências, como já está acontecendo em algumas regiões do país.
Restauração, reflorestamento e regeneração natural são técnicas complementares a serem simultaneamente consideradas. A regeneração natural resulta em recobertura espontânea com menor custo quando comparada à restauração que é a fixação de mudas na terra.
Outra possibilidade é atuar na semeadura direta para baratear o custo da restauração.
Cabe ao Brasil, além de contribuir para aprimoramento da governança global, se dotar de uma governança nacional para definir metas, monitorar resultados, avaliar impactos e, assim, cumprir as metas da CND/2030.
Para isso, merece análise, além de outras medidas, o estabelecimento de uma Agência Reguladora para a Mudança do Clima, ou, como variante, uma Autoridade Nacional, para o pleno cumprimento do Acordo de Paris.
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