O anonimato na internet é um tema atual, polêmico, mas que não se pode ignorar, já que atinge a todos nós. De fato, na frente da tela do computador está uma pessoa que tecla se manifestando e realizando ações em meios que não pedem nem conferem sua identificação. Isso quando é, de fato, uma pessoa, e não um programa, uma aplicação.
Nos últimos anos, denúncias de vazamento de dados preocuparam muita gente, mostrando que proteger informações online é um desafio.
Abre-se, então, espaço para o aumento no número de crimes cibernéticos, desde golpes e fraudes até crimes contra a honra, a exemplo de calúnia e difamação. O anonimato é por vezes encorajador de ações nada ortodoxas na internet.
Por outro lado, a cultura do cancelamento mostra como a sociedade tem se apresentado intolerante nesse ambiente, ficando cada vez mais difícil expressar uma opinião ou defender uma causa. Nesse sentido, ser anônimo passa a ser uma boa opção.
Ainda, a praticidade e os benefícios dos serviços em ambiente digital representam uma grande evolução para as sociedades, cada vez mais dependentes de interações na web.
Nesse cenário, diversos países trabalham para atualizar sua legislação, apresentando tentativas de proteção legal por meio de mecanismos como o chamado direito ao esquecimento.
Neste artigo, apresentamos pontos de debate e reflexão sobre o anonimato na internet, sua relação com a liberdade de expressão, o que diz a lei brasileira e como equilibrar essas ferramentas no mundo digital.
O assunto interessa? Então, siga a leitura ou navegue pelos seguintes tópicos:
Anonimato na internet é uma condição que bloqueia, dificulta ou impede que o autor de uma postagem seja identificado.
Essa condição fica caracterizada quando o criador de um ou mais conteúdos omite seu nome, assinatura, imagem, endereço de IP e outras informações que poderiam revelar quem ele é.
O anonimato é bastante comum e podemos dizer que é inerente à web, uma vez que existem diversos sites e plataformas que não requerem identificação para que sejam utilizadas. A própria dinâmica da web – em que as pessoas se comunicam sem contato – favorece o fenômeno.
O exemplo mais clássico são os comentários em portais, que costumam exigir apenas a inserção de um nome (que pode ser falso, inclusive) para que sejam postados.
Em resposta, empresas jornalísticas e de conteúdo passaram a inserir uma nota junto aos comentários, afirmando que não representam sua opinião, ou seja, que são responsabilidade de terceiros.
O objetivo dessa ação é evitar serem acusadas devido a postagens ofensivas, discursos de ódio, fake news e outras atividades proibidas por lei.
Obviamente, também querem proteger sua reputação para não perder visualizações, clientes e possíveis investidores.
Mas o anonimato também pode ser entendido como um instrumento que conserva a privacidade e a segurança na internet e, de certa forma, auxilia o exercício da liberdade de expressão.
Isso porque a vida moderna tem nos levado a compartilhar uma quantidade expressiva de informações pessoais online, como dados bancários, localização, hábitos de consumo e até intenções futuras – e, porque não falar, nossas opiniões e informações mais íntimas.
Ademais, os algoritmos empregados por empresas como Google e Facebook possuem a capacidade de aprender (machine learning), o que lhes confere um alto poder de dedução.
Vamos a um exemplo?
Imagine que você esteja planejando uma viagem especial que sempre sonhou, por exemplo, para a Europa.
A maioria das pessoas simplesmente faria uma pesquisa na internet, usando a palavra-chave “viagem para a Europa” em um buscador, dando as pistas para que o algoritmo saiba que você quer viajar em breve.
Porém, você é precavido e não quer divulgar seu desejo.
Mesmo assim, terá de pesquisar pela necessidade de visto, hotéis para estadia, passagem aérea, alimentação, informações sobre o valor do euro, etc.
Fica complicado comparar ofertas, preços e facilidades sem usar a web, concorda?
Ainda que decida deixar tudo nas mãos do seu agente de viagens, ele vai precisar inserir, no mínimo, suas informações pessoais em um banco de dados da empresa, e provavelmente, o seu smartphone vai denunciar a localização em algum momento da viagem.
Portanto, com a popularização da internet, aumentam os riscos à privacidade.
Apesar da proximidade, anonimato e privacidade não têm o mesmo significado.
Principalmente porque a privacidade, que é um direito constitucional no Brasil, não dispensa a identificação do usuário, mas exige a proteção a informações pessoais.
Segundo pontua a Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso X:
“São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”
Assim, podemos concluir que a privacidade se refere ao direito de controlar a divulgação de dados e informações a respeito de nós mesmos, enquanto o anonimato é o ato de não divulgar a identidade.
Conforme descreve Túlio Vianna em sua obra “Transparência pública, Opacidade privada“, o direito à privacidade corresponde a uma tríade de direitos formada por:
Antes de a rede mundial de computadores existir, era bem mais fácil viver em anonimato.
Afinal, as reproduções, envios e compartilhamentos de informação exigiam mais trabalho, recursos e demoravam certo tempo para ficarem prontos.
Mesmo quando um ou mais documentos se tornavam públicos, eles estavam registrados em papel e, como tal, poderiam ser perdidos caso o papel fosse danificado ou destruído.
Até que a lógica digital transformou essa dinâmica, fornecendo arquivos mais resistentes e que podem ser copiados por meio de alguns cliques.
Também podem ser enviados por e-mail, apps de mensagem ou publicados em várias plataformas, onde serão vistos por muito mais pessoas.
Outra questão é sua perenidade, pois dificilmente todas as cópias serão completamente apagadas da internet. Na maioria das vezes, poderão ser encontradas mais tarde.
Então, será mesmo possível esconder a identidade utilizando serviços que funcionam online?
Em reportagem para o site da BBC, Rob Shavell, cofundador e chefe executivo do DeleteMe – serviço de assinaturas especializado em remoção de dados pessoais de outras plataformas -, afirma que não dá para apagar todos os rastros digitais.
E completa, dizendo:
“Você não pode se apagar completamente da internet a não ser que algumas empresas e indivíduos que operem serviços de internet sejam forçados a mudarem fundamentalmente como eles operam.”
A matéria cita, ainda, uma pesquisa realizada pela empresa de recrutamento Careerbuilder em 2018, nos Estados Unidos, que constatou a influência das redes sociais na esfera profissional.
Segundo o levantamento, 70% das empresas haviam usado essas plataformas para avaliar candidatos a vagas de trabalho e 48% haviam monitorado a atividade de seus colaboradores nas redes sociais.
Claro que podemos apagar os perfis no Instagram, Facebook e outros locais, porém, os serviços que contratamos vão continuar armazenando nossos dados.
Uma saída para diminuir a exposição na web é apostar na transparência quanto ao uso dos dados e em legislações que garantam o mínimo de privacidade para os usuários.
É nisso que alguns países, inclusive o Brasil, estão investindo, através de mudanças na legislação e criação de programas voltados ao ambiente digital. Também são muito importantes as iniciativas de aplicações como o Facebook e o Twitter no sentido de evitar problemas com os dados de seus usuários.
A legislação máxima do país proíbe o anonimato, sendo válida tanto para o mundo offline quanto para o online.
De acordo com o Art. 5º, IV da Constituição:
“É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato.”
Esse instrumento tem como propósito identificar, cobrar e, se for o caso, responsabilizar os autores por conteúdos ofensivos ou criminosos.
Mas, no inciso XIV, a carta magna apoia o anonimato em casos especiais, como investigações jornalísticas, estabelecendo que:
“É assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional.”
Publicado em 2014, o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/14) reitera a liberdade de compartilhar qualquer tipo de pensamento na rede, desde que o usuário se identifique.
Outra legislação de interesse é a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), que garante o direito ao anonimato na internet, desde que esse desejo seja expresso pelo titular das informações.
No Capítulo III, Art. 17, a LGPD assegura que:
“Toda pessoa natural tem assegurada a titularidade de seus dados pessoais e garantidos os direitos fundamentais de liberdade, de intimidade e de privacidade, nos termos desta Lei.”
No Art. 18, o texto lista as garantias dadas ao usuário que tenha dados controlados por qualquer empresa ou serviço na web.
O inciso IV do documento afirma que ele pode requerer a anonimização, bloqueio ou eliminação de dados desnecessários, excessivos ou tratados em desconformidade com o disposto na lei.
Pode, ainda, solicitar a eliminação de dados pessoais dos registros e até se opor ao tratamento deles perante a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).
Em resumo, o anonimato é vedado para as manifestações intencionais das pessoas na internet, como postagens, comentários e compartilhamento de notícias.
Contudo, o anonimato ligado ao zelo pela privacidade dos internautas, contemplando os rastros digitais e dados fornecidos a empresas, é garantido e protegido pela legislação nacional.
Vimos, nos tópicos anteriores, que o anonimato reúne pontos positivos e negativos, dependendo da forma como é usado.
Primeiro, vamos falar dos fatores positivos, ligados à garantia da liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento – direitos fundamentais para a manutenção da democracia.
Segundo este texto publicado pela organização SaferNet, atuante no enfrentamento de crimes e violações de direitos humanos, vale citar os seguintes aspectos:
Como meio de comunicação democrático, a internet permite que qualquer pessoa crie e distribua conteúdos.
No entanto, há casos em que existe a necessidade de preservação da identidade, a exemplo de entrevistas com vítimas de crimes ou indivíduos em situações de risco.
Nesse cenário, o anonimato serve para dar voz àqueles que, por alguma razão, enfrentam dificuldades para expressar seus pontos de vista.
Por vezes, o anonimato facilita a adesão a uma causa ou denúncia.
Embora haja espaço para todos na web, também há o medo de represálias ou até censura por parte de grupos dominantes.
Postando de modo anônimo, essas ameaças são afastadas.
Esse é o principal papel do anonimato, que conta com suporte da legislação: ele atua na redução da vigilância por parte de certos grupos na internet.
A possibilidade de manter dados pessoais anônimos contribui, ainda, para prevenir a violação da privacidade, seja por indivíduos ou empresas com interesses escusos.
Infelizmente, a exposição de imagens e vídeos íntimos, aplicação de golpes e abusos também fazem parte das consequências do anonimato na internet.
O mau uso dessa ferramenta suscita uma série de críticas, pois viabiliza ou facilita as seguintes situações:
Informações constantes em cartões de crédito, dados bancários e outras podem ser roubadas mediante golpes em que criminosos se mantêm anônimos.
Uma vez que tenham esses dados, eles realizam compras, saques, transferências e outras operações online, prejudicando os titulares das informações.
Protegidos atrás de uma tela, indivíduos se sentem à vontade para manifestar ideias preconceituosas e ofensivas.
Seu intuito é promover a discriminação e exclusão de pessoas e grupos, simplesmente por não gostarem de sua raça, cor, religião, descendência, origem étnica ou nacional.
Palavras e atos que denigrem uma pessoa já são desconcertantes em locais privados, mas se tornam ainda piores em público.
No ambiente digital, a humilhação e intimidação podem tomar proporções assustadoras, sendo vistas por centenas, milhares ou milhões de indivíduos.
A situação se agrava quando essas ações são repetitivas (cyberbullying), sendo fonte constante de constrangimento para as vítimas.
Perfis falsos e outros mecanismos de anonimato contribuem para que criminosos sexuais atraiam e enganem pessoas, geralmente, crianças e adolescentes, para produzir material erótico.
Uma vez que tenham fotos ou vídeos mostrando a vítima, eles as usam para chantagear e cometer novos abusos.
Dentro desse escopo, também podemos citar a pornografia de vingança praticada, por exemplo, por ex-companheiros insatisfeitos com o término de um relacionamento amoroso.
Sem o consentimento da vítima, eles espalham fotos íntimas em sites, redes sociais e/ou aplicativos de mensagens, como o WhatsApp.
A liberdade de expressão faz parte do rol de direitos humanos preconizados pela Organização das Nações Unidas (ONU), e dos direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal.
É ela que permite a qualquer pessoa a divulgação de ideias sem censura, ou seja, sem proibições que impeçam a publicação de um conteúdo antes que ele seja conhecido.
Trata-se, então, de um direito que está no cerne de uma democracia forte, pois esse tipo de regime prevê a manifestação de suas muitas vozes para evitar injustiças sociais, em especial as cometidas contra minorias.
Certas formas de anonimato auxiliam na denúncia dessas injustiças, por exemplo, diante de um crime denunciado por uma vítima ou até por alguém envolvido no esquema, que concorda em dar informações desde que sua identidade seja preservada.
No entanto, essa é uma exceção pois, na maioria das vezes, a Constituição exige que o criador de uma postagem revele seu nome ou assine aquilo que publicou.
Afinal, a garantia de livre manifestação do pensamento não significa garantia de impunidade se ele cometer crime ou infração.
Em outras palavras, o fato de existir a liberdade de expressão e permissão de anonimato em casos específicos não autoriza ninguém a produzir e enviar fake news, perseguir, humilhar, caluniar ou difamar outras pessoas.
Ambos os instrumentos devem ser utilizados com cautela para promover uma internet mais harmônica e segura para todos, aplicando a mesma etiqueta do mundo offline ao digital.
Não existe uma resposta simples para essa questão.
Quem é favorável à manutenção do anonimato aponta grandes possibilidades de proteção à saúde mental e até à integridade de indivíduos que se mantêm anônimos.
Ativistas políticos ou integrantes de minorias podem usar esse recurso para emitir opiniões contrárias ao governo em nações marcadas pelo controle estatal, como a China e a Coreia do Norte.
Mantendo o anonimato, eles preservam sua vida e a de seus familiares, evitando represálias.
Pessoas que se encontram em situação vulnerável ou que não podem se expor também se beneficiam do anonimato, prevenindo, por exemplo, que um companheiro violento as agrida depois de buscarem ajuda online.
Sem contar nas vantagens, para os consumidores, de ter mais controle sobre o que as empresas sabem e como trabalham seus dados pessoais.
Por outro lado, quem defende a extinção do anonimato na web afirma que ele colabora para o aumento no número de crimes cibernéticos, bullying online e posturas agressivas.
Isso porque parte dos usuários se sente à vontade para atacar outras pessoas, inventar mentiras e perseguir aqueles que não compartilham de seu ponto de vista.
No entanto, eliminar a possibilidade de anonimato pode ser uma solução prejudicial, uma vez que culmina na diminuição da liberdade de expressão.
Por isso, em vez de pregar o fim do anonimato, vale investir mais em educação e orientação para que essa ferramenta seja utilizada com mais consciência.
Caso contrário, sempre há a possibilidade de encontrar rastros online e responsabilizar os infratores, seja civil ou criminalmente.
O anonimato na internet é um assunto repleto de controvérsias.
Por um lado, é um instrumento de preservação da privacidade e proteção para indivíduos que desejam manifestar opiniões contrárias a grupos poderosos.
Por outro, acaba dificultando a punição de infratores e criminosos, que se escondem atrás de telas e perfis falsos para enganar suas vítimas.
Assim, é essencial que autoridades, legisladores, empresas e internautas trabalhem em conjunto para coibir comportamentos agressivos, construindo uma internet mais segura e inclusiva.
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